quarta-feira, 19 de janeiro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 11:32
O CASEBRE
Todos que passavam na rua a ignoravam, apenas mais um antigo mausoléu abandonado no tempo, nada que pudesse atrair os olhos por mais de dois segundos. Era degradante, uma lembrança melancólica que o tempo passa e não há nada que possa fazer a respeito. Um pedaço esquecido da cidade que apenas ridicularizava o redor tão bem planejado pelos novos paisagistas do parque.
Parque que presenciou quando dois jovens sobre bicicletas se conheceram, quando descobriram ser de classes sociais opostas e quando nada disso importou o bastante para fazê-los desistir. Um local próximo foi escolhido, era caro demais, mas eles dariam um jeito. Trabalharia ele dias a dentro sem os pais descobrirem, controlaria todo seu tempo ao estudo, trabalho e, obviamente, ela. O importante era o significado, o símbolo que aquele prédio, parque e passos na vida de ambos. Uma época cheia de sentidos e significados. Amores perfeitos que pareciam eternos até o letreiro do cinema, novo item no entretenimento de jovens ansiosos e repreendidos, começassem a subir.
Durou três meses e quatorze dias. Os pais dela descobriram, interessados na fortuna do jovem exigiram reparação. Os dele surpreendidos pelo que eles achavam ser a inocência do filho enviaram-no a uma viagem. O desastre de se ter posses e curar feridas em outros ares, talvez os europeus ou asiáticos.
A figura do prédio então se perdeu nas memórias da jovem que se casou e criou uma família, um rapaz simples, mas de boa intenção. tedioso quando o assunto fosse qualquer outro além dele, mas ela se acostumou quando o primeiro filho nasceu e esqueceu de tudo quando os outros vieram.
Ele, casado pela terceira vez, apenas conseguiu recordar da casa anos depois, quando em um copo de bebida amarga lhe cantava histórias do trágico fim de magnatas como ele após 29, uma arma e nada mais. A jovem, já uma velha senhora, lembrou de ter lido os jornais. Mas não poderia chorar, os netos poderiam perguntar algo, e agora nada importava mais.
Alguns bons anos se passaram, na lapide dela honrarias de ter sido boa mãe e avó, nas dele, nada, talvez um aviso de que ele se encontrava em livros de história. Receberam visitas por mais alguns anos, já hoje nada mais são do plaquinhas esquecidas.
A casa foi deixada ali, os contratos posteriores de aluguel não deram certo, a velhota que o administrava morreu deixando herdeiros atropelados de compromissos que apenas se concentravam em bens maiores e iam deixando a já destruída casinha. Teria de haver reformas, isto custa dinheiro, não valeria. Todos afirmavam.

Alguns anos depois, e talvez mais alguns quarenta e tantos dias, uma moça, de nome Magnólia por causa da flor, segundo a mãe, que corrigia trabalhos dos alunos embaixo da árvore central do parque foi vista por um outro jovem, era recordado pelo sobrenome, mas os amigos o chamavam de Rico. Ele quis que ela, mesmo sem saber de qualquer outra coisa além de que os cabelos dela eram realmente dourados, o chamasse assim. Dois dias depois eles riam, uma semana depois ela levantou a mão e comentou como havia achado o casebre gracioso. Ele disse que ela via coisas onde ninguém via,  talvez estivesse certo. Três meses e quatorze dias depois eles se encontravam lá todos os dias. Até então, os créditos finais não subiram.