quarta-feira, 28 de dezembro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 08:17
Nos dias de hoje ainda existe lugar para princesas?
The New York Times
Naomi Wolf
A imagem parecia muito familiar – a jovem britânica bem vestida, agachando-se com um sorriso radiante, ao lado de uma garota tímida que, apesar de extasiada, ficou intensamente corada. Mas dessa vez tratava-se de Kate Middleton, a nova princesa britânica, que assumiu o manto deixado pela mãe do príncipe William, Lady Diana Spencer. Assim como ocorreu com a sua sogra – cuja morte foi tão lamentada –, o casamento de Kate Middleton foi carregado de fetiches, tendo sido visto e escrutinado por milhões de pessoas em todo o mundo, e a ascensão dela à condição de princesa foi salpicada pela fantasia da imprensa glamorosa.
Mas não haveria algo de estranhamente retrô no que se refere a essa obsessão por Kate Middleton como a nossa nova figura de princesa? Será que nós sequer precisaríamos da categoria funcional de "princesa" em uma época na qual as notícias são ruins, ninguém acredita em finais felizes de contos de fadas e as mulheres não esperam mais que os sapatinhos de cristal caibam nos seus pés?
Eu argumentaria que, sob determinado aspecto, o fascínio pelas princesas jamais terminará. Mas eu diria também que o ícone de princesa está mudando. Qualquer mãe de uma menina sabe que aos cerca de três ou quatro anos de idade é provável que a pequena se identifique intensamente com as princesas. Ela gosta de tiaras, de cetros cintilantes, de sapatos brilhantes e de vestidos esvoaçantes de pregas.
E ela se identifica com as princesas do universo Disney que ampliaram esse panteão real a cada geração: Cinderela, cujos pés pequeninos a conduziram ao trono; Anastasia, a princesa secreta cuja realeza era desconhecida até mesmo por ela própria; Bela, que foi descoberta por um príncipe aprisionado no corpo de uma Fera e que acabou alçada à nobreza. Hollywood atualiza constantemente essa fábula: o primeiro filme da série popular "The Princess Diaries" ("Os Diários da Princesa") mostra como a ingênua Anne Hathaway, uma aluna de segundo grau mal vestida e de sobrancelhas feias, passa a receber aulas de princesa para liderar a mística nação chamada Genovia.
A segunda onda do feminismo desconstruiu a narrativa da Bela Adormecida e outros mitos de princesas, apresentando tais estórias como uma forma de hipnotismo criado para fazer com que as mulheres sejam seduzidas pelo casamento e a passividade, e estruturados para ensiná-las que as suas vidas reais só têm início com o beijo de um príncipe. Até hoje eu encontro mães feministas horrorizadas ao constatarem como essa narrativa ainda atrai as suas filhas pequenas que foram criadas de uma forma igualitária. Elas me perguntam por que é que as suas filhas têm tal obsessão por serem princesas?
Eu diria a elas que não se preocupassem. As feministas da segunda onda não entenderam bem a questão. Quem analisar atentamente tudo isso perceberá que o arquétipo da princesa não diz respeito a passividade e decoração: ele se refere ao poder e ao reconhecimento do eu verdadeiro. As garotinhas são obcecadas pelas princesas pelo mesmo motivo que os garotinhos são obcecados pelos super-heróis, que eles identificam pelos seus "poderes".
Em que outro papel feminino uma mulher pode proferir uma sentença e fazer com que o mundo se dobre diante dela? Que outra figura feminina é capaz de comandar um exército, ter acesso a um tesouro ou até mesmo, como nas imagens de Kate Middleton ou de Diana Spencer, simplesmente transmitir, com a sua presença, uma sensação de mágica, empolgação e capacidade de tranquilizar?
As princesas são mais benevolentes do que as estrelas pop, e também menos drogadas; elas são mais poderosas do que Hillary Clinton e Condoleezza Rice, e usam túnicas mais bonitas. Elas são menos descartáveis do que as modelos e pelo menos parecem ser menos estressadas do que as mães trabalhadoras, mesmo quando estas se encontram no topo da hierarquia profissional. Que menina não iria se sentir atraída por tal arquétipo, ao se considerar que há pouquíssimos outros papéis com estas características na nossa cultura popular?
Duas princesas recentes seguiram esse roteiro, tendo desempenhando, de forma própria, aquele que foi um trabalho pioneiro. A princesa Diana foi analisada durante décadas, mas são poucos os que dão a ela o crédito devido por ter sido uma autêntica subversiva em relação ao sistema de classes britânico. Como ela era tão convencionalmente bonita e não tão convencionalmente educada, a forma como transmitia a sua mensagem é considerada acidental ou instintiva – mas eu acredito que ela raciocinava de forma cuidadosa e analítica.
Em um momento no qual o Reino Unido apresentava uma estratificação de classe ainda mais rígida do que hoje, Diana defendia famílias que viviam em conjuntos habitacionais e jovens desempregados. Ao rejeitar a exclusividade da "alta cultura" para a monarquia e as elites, ela apoiou concertos de Elton John e do Wham! Em uma época em que pacientes de Aids eram desprezados, ela se fez fotografar abraçando-os. Quando os cidadãos muçulmanos britânicos eram tidos como "falsos britânicos", ela, como mulher solteira, namorou de forma provocadora o mais bonito e rico deles.
Eu acredito que Diana sabia que o Reino Unido e as suas elites teriam que mudar para que o país entrasse em uma relação autêntica com o mundo e a história, e ela atribuiu à sua própria persona, de uma forma Wildeana, as tarefas de conduzir e encarnar essa mudança. Ela travou uma espécie de guerra de consciência e semiótica contra o status quo estático. É bom lembrar que ela entendeu – da mesma forma que as suas predecessoras, igualmente conscientes, Elizabeth I e Vitória – o poder que tinha.
Elizabeth I usava as suas túnicas e joias, a sua tez esbranquiçada e a testa raspada, o seu séquito e aquilo que chamaríamos de o seu poder de estrela, para enviar mensagens políticas importantes relativas ao papel colonial da Inglaterra, ao seu próprio status incontestável e alegorizado de "rainha virgem" e à legitimidade do seu reinado. A Rainha Vitória usou a sua "marca" de maior figura arquetípica materna do país, esposa devota, juíza da respeitabilidade e protetora do bem-estar público, para mandar mensagens relativas à estabilidade social do Reino Unido durante um período de grandes crises referentes a reformas; para legitimar as agitações da era industrial e suavizar os choques provocados por esta; e para diferenciar a sua monarquia, com os seus valores burgueses domésticos, dos libertinos e adúlteros reais que a precederam. Diana deu continuidade à tradição da realeza feminina britânica usando as armadilhas da beleza, das roupas sofisticadas ou de imagens mais populares domesticamente para alcançar furtivamente metas políticas substanciais.
Entra agora em cena Kate Middleton: por que toda a agitação? De certa forma, Middleton assume, conforme todos reconhecem subliminarmente, a missão bastante radical da sua sogra, legitimando tal missão e deslocando-a uma geração para o futuro – em um Reino Unido que se modificou bastante da forma que Diana desejava e planejava. Kate é a princesa de um Reino Unido bem mais inclusivo e multiétnico, e socialmente mais homogêneo.
A própria história de aspirações de classe média da família Middleton – o bisavô dela foi mineiro de carvão – revela um Reino Unido de maior mobilidade social do que aquele que Diana conheceu. A forma como Kate interage com pessoas de todas as classes, no seu papel real, lembra à primeira vista Diana – mas o jeito de Kate é isento daquela condescendência que até mesmo Diana, na sua fase mais igualitária, foi incapaz de descartar. Muito tem se falado a respeito do estilo de moda de Kate Windsor e da sua irmã Pippa Middleton, um misto de estética de classe média e alta. Mas isso é mais do que uma simples análise desse estilo; a discussão reitera que existe uma mistura de classe média e alta em andamento, sob o aspecto cultural, e talvez até mesmo genético, no Palácio de Buckingham.
 Irá Kate fazer coisas mais ousadas e notáveis do que simplesmente inserir um frescor tranquilizante, uma abertura social e um clima de classe média no universo da realeza? Pouco importa. De certa forma haverá maior efetividade se ela simplesmente prosseguir com aquilo que já conseguiu fazer com sucesso até este momento: trazer para dentro dos portões da realeza valores do "cidadão comum" britânico como o trabalho árduo, o autoaperfeiçoamento e a ausência de pretensão, sem chamar muita atenção para a subversão implícita neste ato.
Será que nós deveríamos nos preocupar, como as mães feministas, quando as nossas filhas voluntariosas ficarem obcecadas pelas princesas? De jeito nenhum. A descrição dessa função mudou. Nos dias de hoje as princesas não são mais simples damas aristocráticas que saboreiam refeições refinadas.
De fato, atualmente as princesas agem de forma condenável – conforme ocorre frequentemente com Fergie – e dão a impressão de serem amostras de “eurotrash” (termo pejorativo utilizado para designar europeus ricos e arrogantes) que esperam ser apoiadas devido à suas conexões sociais, em vez de trabalharem como o resto das mulheres. Hoje em dia ser princesa significa trabalhar duro. As princesas atuais estão visivelmente desempenhando várias tarefas, assim como o resto das mulheres trabalhadoras, casadas ou solteiras. Talvez a reação reflexa de desaprovar as princesas seja meio ultrapassada.
Ao mesmo tempo, talvez as atenções mundiais tenham se concentrado tanto na princesa britânica porque as outras princesas não se saíram tão bem recentemente: a princesa Masako, do Japão, uma poliglota formada pelas universidades de Harvard e Oxford, que trabalhou como corretora de comércio internacional, achou o papel de princesa difícil: ela demorou oito anos para gerar um herdeiro – na verdade, uma herdeira –, raramente se engaja em atividades relativas à vida pública e sofre de estresse crônico.
A filha mais velha do rei da Tailândia abriu mão do seu título real para casar-se com um plebeu norte-americano, mas ela agora está divorciada e retornou ao país natal, em uma trajetória que não se coaduna com os contos de fadas. A terceira e atual mulher do irmão dela, que herdará o trono tailandês, é uma princesa grosseira: um vídeo caseiro que circula pela Internet mostra a princesa comemorando o aniversário do poodle do príncipe, com os seios à mostra.
O vídeo não se constitui exatamente em um “momento Cinderela”. A mais conhecida narrativa relativa a uma princesa da Arábia Saudita é uma história de horror: em 1977, por ordem do seu avô, Misha'al bint Fahd al Saud foi executada aos 19 anos de idade por, supostamente, ter cometido adultério. Tendo em vista todos esses contratempos nas vidas de princesas de verdade, não é de se surpreender que uma história que se adeque ao arquétipo vire o centro da atenções.
Isso ocorre porque, mais importante do que o papel “real” de uma princesa é o papel arquetípico, e até mesmo junguiano, desempenhando por ela. Afinal de contas, o que fazem todas aquelas princesas do mundo Disney? Elas estão ocupadas em ser heroínas das suas próprias vidas. Em um confronto assustador, Anastasia mata o maligno Rasputin, e salva a Rússia. Mulan ajuda a derrotar os conquistadores hunos, salvando assim também a sua família e o seu país. Bela liberta o seu escravizado príncipe da maldição de um encantamento. Em “The Princess Diaries” é a força interna e a graça da personagem de Anne Hathaway, e não apenas a sua postura e beleza, que a avó dela desenvolve.
Até mesmo a ligeiramente irritante Cinderela do desenho animado de 1950 não é assim tão ruim, se nós percebermos que os sapatinhos de cristal cabem no seu pé porque ela é bondosa para com as pequenas criaturas – e não cabem nas suas irmãs de criação não tanto porque estas sejam “feias”, mas sim porque elas são desalmadas. É interessante que quando as fábulas são cheias de narrativas reais de poder, assertividade e heroísmo feminino, elas são lidas mesmo assim como se fossem referências à beleza e à passividade. Não se preocupe se a sua filha de cinco anos de idade insistir em usar um vestido cor-de-rosa de princesa. Isso não significa que ela deseja virar uma nulidade, mas sim que a menina quer conquistar o mundo, o que para ela é suficiente.
* Naomi Wolf é escritora, crítica social e ativista política. O próximo livro dela, "Vagina: A Cultural History" ("Vagina: Uma História Cultural"), será lançado em 2012.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 06:18
Depois de perceber que uma pagina inteira de Ana estava (está) repleta apenas de textos de outras pessoas e que, sendo assim, me toquei da falta que me faz escrever, me pergunto o que acontece? O que aconteceu? Sério, eu queria uma resposta. E não é por causa da TPM que esmaga meus sentidos e me concede matar alguém por fatores biológicos, ou por causa do senhor gentil da padaria que até chá de orégano me fez ou por que a única forma de guardar isso seja escrever. Quero um resposta além da falta de tempo, trabalho e faculdade. Quero uma resposta além de que fiquei adulta e não há mais tempo de escrever. Escrever nunca foi uma boneca que eu precisava parar de brincar. Escrever era  Ana, era, portanto, o que eu fui e sou. Mas então escrever, verbo indicativo (de felicidade) não esta aqui. Oras, basta voltar, alegou Sr Leonard em toda sua autoconfiancia de personagem sabio. Tenho que voltar a escutá-los, sei que é verdade.

Postado por Kamila Silva às 04:34
Julia Schneider, vencedora do Elite Model.


"Julia Schneider parece mais um ‘modelo’ de anorexia do que qualquer coisa elegante que a indústria da moda deva estar colocando em um pedestal como um padrão que será copiado. Isso não é novo, mas é uma tendência da qual as agências deveriam começar a se afastar. Esqueletos são destinados a pular para fora dos armários e não a desfilar nas passarelas. Por que só os modelos homens podem ter um corpo de adulto?”

[Blog “The Lens” ,do jornal The Gazette de Montreal.]

domingo, 27 de novembro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 14:34

A louca do jardim

Pra onde vai o amor? De manhã eu preciso buscar um remédio pra minha mãe, depois tenho pilates e às 11 em ponto preciso estar na agência pra decidir um roteiro de vídeo para uma apresentação interna que o cliente vai fazer para a área comercial. Pra onde vai o amor? Quero aparecer na sua agência, subir as escadas correndo.
Porque essa pergunta precisa ser feita de peito ofegante. Pra onde vai o amor? Você tem a apresentação de uma concorrência. E tem uma equipe, uma mesa, um lixo, um carro alto, um cabelo grande, um sobrenome importante, um quadro caro, uma ex namorada top model, dezenas de garotinhas apaixonadas. Pra onde vai o amor? Porque quando deitamos no chão da sua sala e você me perguntou "quanto tempo você demora pra dizer que ama?". Porque quando você me mandou aquele e-mail falando que dormiu bem quando me conheceu. Porque a gente estava tão nervoso no dia do Astor, Subastor.
Porque eu tinha uma escova de dentes aí e você tinha uma escova de dentes aqui. Pra onde vai o amor? O que você fez com o seu? Deu descarga? O que eu faço com o meu? Dai eu te ligo, escondida no jardim da agência que eu trabalho. Chorando horrores. E te peço desculpas. "Eu sei que faz só um mês que estamos juntos mas o que você fez com o nosso amor?".
Por que você ficou frio e sumiu e esqueceu e secou e matou e deletou e resolveu e foi? E você diz que está trabalhando e eu me sinto idiota. Me sinto esfolada viva pelo mundo. Me sinto enganada por anjos. Me sinto inteira uma enganação. Respiro mentiras. Visto desculpas. Ajo disfarces. Porque a gente estava sim se amando mas você correu pra levantar antes a bandeira do "se fudeu trouxa, o amor não existe". Justo você que eu escolhi pra fugir comigo das feiúras do mundo
Porque você me emprestava a mão dormindo e pedia colo vendo tv e queria me fazer camarões fritos e escondia as meias suadas quando eu chegava antes do que você esperava. E você me perguntava o tempo todo se eu percebia como era legal a gente. E então, só pra fazer parte da merda universal de toda a bosta da vida, você se bandeou pro lado do impossível e se foi e me deixou como louca, escondida no jardim da agência, chorando, te perguntando pra onde foi o amor. E você riu e disse "mas eu só estou fazendo minhas coisas". E eu me senti idiota e louca e chata e isso foi muito cruel ainda que seja tão normal. Normal não me serve não encaixa não acalma.
E eu achei que a gente podia ter uma bolha nossa pra ser louco e improvável e protegido do lugar comum do mundo mediano adulto das pessoas que riem e fazem suas coisas. E tudo ficou feio, até você que é lindo ficou feio.
E eu quis me fazer cortes. Porque viver é difícil demais. E todo mundo me olhando, rindo, fazendo suas coisas. E daqui a pouco eu rindo e fazendo minhas coisas. E no fundo, abafado, dolorido, retraído, medicado, maduro, podre: onde está o amor? Onde ele vai parar? Onde ele deixou de nascer? Onde ele morreu sem ser? Por que eu sigo fazendo de conta que é isso.
As pessoas seguem fazendo de conta que é isso. E por dentro, mais em alguns, quase nada em outros, ainda grita a pergunta. O mundo inteiro está embaixo agora do seu lindo e refinado e chique e rico prédio empresarial de milionários. Gritando nas janelas, batendo nas portas, tirando você da sua reunião: o que você fez com o amor? Esse dinheiro todo, essa responsabilidade toda, esses milhões todos, essas pessoas todas que você quer que te achem um homem.
E o amor, o que você fez com ele? Enfiou no cu? Colocou na máquina de picar papel? Reaproveitou a folha pra escrever atrás? Reciclou? Remarcou pra daqui dois anos? Cancelou? Reagendou o amor? Demitiu o amor? É o amor que vai fazer você ser isso tudo e não isso tudo que você usa pra dar essas desculpas pro amor. Porque quando eu sentei no cantinho da cama e você leu seu livro de poesias de quando era criança. Porque quando você ficou nervoso porque queria me dizer que naquele minuto não estava me amando porque você acha que amor é isso além do que você pode. Amor é só o que você já estava podendo. O que você fez com esse pouco que virou nada? Com o muito que poderia virar? Eu aleijada, engessada, roxa, estropiada, quebrada, estou na porta, esperando você, por favor, me ensina, o que fazer, vou fazer o mesmo com o meu.
Vou mandar junto com o seu. Nosso amor pro inferno, longe, explodido, nada. E a gente almoçando em paz falando sobre o tempo e as pessoas escrotas e o filme da semana. Bela merda isso tudo, bela merda você, bela merda eu, bela merda todos os sobreviventes que riem e fazem suas coisas e almoçam e falam de filmes. E por dentro o buraco gigante preenchido por antidepressivos, ansiolíticos, calmantes, cervejas, maconhas, viagens e mais reuniões. Pra onde foi o amor? De pé seguimos pra nunca saber, pra nunca responder, pra nunca entender
Pra onde? Você lendo o texto mais lindo da minha vida sobre o último dia morando com seus pais, você achando as moedinhas que o seu pai escondia no jardim quando você era criança, você me contando isso tudo baixinho e eu sentindo tantas milhares de coisas lindas, você falando da merda boiando e a dor dos seus fins de amor, você dormindo com seus cachinhos virados para o meu nariz, você fazendo a piada dos ombrinhos mais altos e mais baixos pra tirar sarro dos homens artistas e burocráticos, você por um mês e tanto amor. Todos os cheiros de todos os seus cantos. E agora eu louca porque não se pode sentir, porque senti sozinha, porque não se pode sentir em tão pouco tempo.
Que tempo é esse quando o amor se apresenta tão mais forte e sábio que as regras de proteção? Quem quer pensar em acento flutuante quando se está voando? Quem quer pensar em pouso de emergência quando se está chegando em outro mundo melhor? E agora nada e você nada e tudo nada. O amor no planeta das canetas Bic que somem. O amor mais um como se pudesse ser mais um. O amor da vida de um mês. Você com medo de ser mais um e você único e tanto amor e tão pouco tempo.
O que você fez com ele para eu nunca fazer igual? Eu prefiro ser quem te espera na porta pra entender. Eu prefiro ser quem te espera na outra linha pra entender. Eu prefiro ser a louca do jardim enquanto o mundo ri e faz suas coisas. Do que ser quem se tranca nessas salas infinitas suas pra nunca entender ou fazer que não sente ou não poder sentir ou ser sem tempo de sentir ou ser esquecido e finalmente não ser. 
Por Tati Bernardi

Postado por Kamila Silva às 14:27

O copo de água

Eu mastigava com culpa cinco daquelas bolinhas de amendoim. Não era culpa, era ansiedade. Não, era tédio. Minhas amigas conversavam longamente sobre algo que não me interessava nem por um segundo. As chatices do marido, as chatices do trabalho, as chatices do trânsito. Minha vida não é chata.
Eu inventaria um trabalho, uma casa, um dia, um modo, um jeito. E inventei. As festas na Carol sempre tinham comidas incríveis mas, naquele dia, eram só bebidas. Eu não bebo. Quer dizer, agora, de vez em quando, comecei a beber só porque entendi quando me falavam que sem álcool é tudo muito pior. Então passei a beber pouco. Uma taça de vinho? Mas naquele dia eu não podia beber porque não tinha comido e também porque não estava a fim. Eu estava a fim de ir embora. Voltar pra minha vida que não era chata mas ficava chata quando percebia que eu tinha uma vida dentre todas aquelas vidas que se faziam perceber. Olhei pra porta. Ela abriu e você chegou. Eu não te via há 3 meses e alguns dias. Foi então que o narrador do meu cérebro pigarreou e mudou o tom. Eu me narro tudo desde que me tenho por cérebro.
Como se o tempo todo eu me contasse e contasse o mundo. Para ver se eu existo e se o mundo existe. Para ver se eu me suporto e se suporto o mundo e se o mundo me suporta. É insuportável, mas o tempo todo minha cabeça narra tudo. Minuciosamente, detalhadamente, dolorosamente. O tempo todo eu cavoco o segundo, o pó, a pele, o que se diz, o que se parece. Tentando narrar o mais profundo do profundo do que eu poderia narrar. Só pra responder o mais profundo do profundo do que eu poderia perguntar. Então o narrador começou dizendo assim "e então ele entrou por aquela porta". Você entrou por aquela porta. Eu apertei o braço da Fernanda: "é ele! Ai, meu Deus, é ele".
Quem, Tati? Ele. Mas qual dos "eles"? Você tem tantos "eles", Tati. O último. Você era o último homem que eu tinha amado e, portanto, o "ele" da vez. Com seu cabelo alto, largo, rococó. Eu amo seu cabelo. Amo os cachos mais brancos que parecem ornamentos rococós para suas orelhas. Os puxa-sacos te abraçam. Eu percebo quem gosta de você e quem só te abraça porque um dia pode precisar de emprego. Alguns te abraçam gostando de você. E então eu fico feliz, porque eu gosto que gostem de você. Porque você é o tio da Lia, a bebezinha que pensa muito antes de rir pra qualquer bobagem. Você é o cara que, quando foi embora, me deixou sentindo uma dor bem enorme, mas eu gosto de você, você não fez por mal. Seu mal nunca foi por mal. Então, eu gosto que gostem de você. E o narrador me narra seus tênis sempre tão publicitários.
Seus pés gordinhos e pequenos e tão perfeitos pra carinhos. E narra sua roupa de chefe descolado. E narra o segundo em que você me percebe na festa e cochicha no ouvido do seu amigo alto. E narra todas as infinitas vezes em que você passou por trás de mim, esperando que eu me virasse e concordasse com seu "oi" cordial. Preferindo que eu não me virasse, assim você podia não sentir essas coisas complicadas todas que sentimos juntos. Então, cansada de te narrar, chamei firme seu nome, com um sorriso maduro.
Mordendo a língua que tremia batendo no céu da boca. Minha língua, quando te vê, quer logo te dizer coisas lindas e assustadoras. Então é uma luta prendê-la no céu, deixando na terra apenas meu cordial "oi" que você queria sem querer. Então fomos pegar água. Brindamos com a água. Você com sua mania de conversar quase dentro da minha cara. Eu vesga de te ver tão perto. Seu charme míope e inseguro. O menino inseguro que conversa colado na minha retina. Que insegurança é essa? Eu não te pergunto nada, apenas desejo tanto você que sorrio como se não me importasse com sua existência. Mas você resolve se explicar mesmo assim. Porque "seus olhos estão sempre me perguntando algo", você diz. E você começa sua loucura que me faz gostar ainda mais de você. Empurra a palma contra o peito e diz "eu gosto assim, Tati, fechado, protegido, eu gosto". Então você olha para o meu copo d'água e diz: "eu sou só um copo d'água, mas você ficava me olhando e pensando nas bolhas e nos gelos e nos canudinhos e na transparência e se a água era isso ou aquilo. Água é só água, por que você complica a água, Tati?". Então apagaram a luz e eu quis me esconder dentro do seu paletozinho de publicitário descolado e ouvir suas batidas descompassadas e embaladas pelo seu cheiro de alma boa. Mas você pegou na minha mão e continuou dizendo que uma mão, muitas vezes, é apenas uma mão. Mas que eu insistia em enxergar os buracos entre os dedos, os anéis que separavam os dedos, a dor da separação dos dedos, a gota da bebida gelada entre os dedos. E que você não poderia suportar isso. A maneira como eu te olhava. Vendo mais, inventando mais, complicando mais. E eu quis te dizer que tudo bem, eu seria uma menina simples. Eu mataria meu narrador, minhas possibilidades, meus mundos, minhas invenções. Só de ver seus cachos mais grisalhos e rococós ornando seus medos e superficialidades eu desejei não ser mais eu pra ser qualquer coisa que pudesse ser sua. Mas enchi meu peito surrado e murcho de coragem e te disse que, infelizmente, onde você era apenas um copo d' água eu era a tempestade.
 por Tati Bernardi

quarta-feira, 23 de novembro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 09:42

A bolacha premiada do pacote de biscoitos finos

Por Eduardo Soares (retirado do blog mulherao.wordpress.com.br)
1992.
 O diálogo abaixo aconteceu na quadra de uma escola pública suburbana, durante o intervalo matinal.
- O que você vai ser quando acabar o segundo grau?
- Humm..não sei. Ainda estamos na oitava série! Mas, acho que serei médica. E você?
- Ih, que bobeira! Com esse negócio da Eco 92 (*), certamente vou ser empresário do meio ambiente! Tu vai rir quando me ver na TV, durante o jornal das oito!
Durante todo o segundo grau, ambos sempre foram os nerds da sala, apostas certas dos professores de que seriam grandes profissionais em qualquer área que escolhessem entrar. De fato, Cristina tinha enorme facilidade em aprender o funcionamento das moléculas, membrana, citoplasma, núcleo, glóbulos, estrutura do DNA, enfim, toda engenharia do corpo humano. Por outro lado, César lidava com números de maneira assustadora. Sua nota mais baixa foi um 7,5 durante todo segundo grau. Nas demais matérias, os dois também tinham desempenhos acima da media porém ela nas ciências e ele na matemática eram praticamente imbatíveis.
Como acontece com todos nós, o tempo passou rápido e sem perceber em 1997 a dupla prodígio estava na faculdade.
- Cinco anos atrás estávamos aqui na quadra brincando sobre futuro, lembra? Eu achava que seria medica! Ainda achava! Nunca me vi fazendo outra coisa! Mas, sei lá, agora que estamos entrando na faculdade fico nervosa…é um novo passo, o mais importante que vai construir nossa carreira!
- Relaxa, Cris! Cara, sempre fomos os melhores da turma! Você acha que agora iremos desaprender só por causa de nervosismo? Sem medo! Somos bons! Vamos “bebemorar”, minha linda!
Ambos estavam no calor hormonal dos 18 anos. Sem admitir, Cristina começou a sentir uma atração um tanto infanto-juvenil por César. Este por sua vez sentiu que ela tinha uma queda e resolveu curtir a situação. De vez em quando ficavam às escondidas nos intervalos da universidade. Ele, aproveitava despropositadamente os encontros enquanto ela alimentava um sentimento não declarado de carinho cada vez maior pelo “namorado/amigo”. Passou o tempo e Cristina, sempre dedicada, conseguiu realizar seu grande sonho de ser médica. Mas aquele momento era um misto de alegria e tristeza pois, enquanto ela impunha o diploma nas mãos, Cézar se perdeu no meio do caminho. De aposta certa ele transformou-se em triste promessa desperdiçada. Sua presença na faculdade era cada vez rara ao passo que a curtição tomava conta da sua vida. Por sorte, passou entre os dez melhores do pais no único concurso que prestou e com isso seu salário custeava a vida inconsequente que levava.
Com 25 anos de idade cada um, os amigos estavam com as vidas relativamente bem encaminhadas. Certa vez, ambos se esbarraram numa festa da alta sociedade. O encontro aconteceu anos depois de uma ausência “social” inexplicável da parte dele. Cristina continuava sonhando com aquele menino/adolescente alegre, inteligente e dedicado. Vê-lo anos depois, fez brotar naquele coração doce uma mistura de alegria e preocupação.
- Cézar! Não acredito!! Por onde tem andado? O que tem feito da vida, seu maluco? Me dá um abraço!
- Cris! Minha linda!! Como vai você, doutora??
O reencontro foi caloroso. Em certo momento ambos pareciam estar 12 anos atrás, na mesma escola, com a mesma vida humilde e o mesmo carinho juvenil. Depois de algum tempo de prosa, um beijo aconteceu. Ali, Cristina se entregou de corpo e alma enquanto Cézar não parecia estar muito animado. Perguntado sobre o motivo do visível desconforto, ele foi taxativo:
- Ehhh….Cris…quantos anos sem te ver, né? Então, por isso mesmo…você estava uma gata na época da faculdade! Eu sentia o maior tesão, papo sério! Mas, pô…agora tu deu uma engordada! Sei lá, ficou desleixada! Numa boa, tu deu uma queda considerável! Acho que a medicina deu um estrago no teu corpo! Bem, tu sabe…a festa é fina! Fica longe de mim, não vou precisar de você, me faz esse favor! Não queime meu filme! Foi mal, não quero passar vergonha com você do meu lado…se cuida, valeu?
Ao sair, ele entregou um cartão a ela onde dizia: CÉZAR MACHADO. PROMOTER. BOATE BELIZE.
Naquele instante ela associou as informações e lembrou que dias antes daquele encontro uma boate havia sido inaugurada. No mesmo dia, aconteceu uma briga que estampou boa parte dos jornais devido a uma pancadaria generalizada envolvendo um grupo de gordos que pretendia passar a noite naquele lugar mas que foram alvos de comentários preconceituosos com os donos do estabelecimento. Leia-se “donos do estabelecimento” por Cézar Machado e um amigo conceituado na high society carioca.
Cristina ficou petrificada por alguns minutos. Aquelas palavras entravam na sua cabeça como pedras enormes jogadas sem piedade. Dor. Raiva. O choro foi inevitável. E assim foi durante os dias seguintes, a cada lembrança latejante na sua cabeça.  O encanto de uma vida toda foi desfeito em fração de segundos sempre que a união de palavras infelizes ecoava a ponto de deixá-la com insônia:
“Eu sentia o maior tesão”
“Tu deu uma queda considerável”
“Você estava uma gata na época da faculdade”
“Não quero passar vergonha com você do meu lado”
Num salto do tempo, vamos para 2010. Cristina, então já renomada psiquiatra, chegou em casa depois de dar uma palestra sobre o novo perfil dos drogados pertencentes às classes A e B. Seu status era tamanho que o prefeito havia feito um convite para que ela ocupasse uma vaga na secretaria de saúde do Rio de Janeiro. Enquanto a proposta balançava seu coração, ela ligou a TV para relaxar um pouco. Zapeando os canais, descobriu que um playboy trintão fora assassinado devido a dívidas e seu amigo foi preso num estado deplorável. Tao deplorável que foi preciso passar um minuto para que Cristina associasse aquela imagem com a de Cézar. Na verdade ela soube que era dele devido ao nome daquele drogado, cujo corpo atlético cedera vez para um homem de 1,80 com inacreditáveis 52 quilos, dono de poucos dentes e portador de inúmeras feridas espalhadas na pele ressecada e imunda.
Cézar foi parar numa clinica de reabilitação para dependentes químicos. Naquela altura, qualquer tipo de ajuda seria bem vinda, pois sua vida acabou anos atrás e o que restara não era o suficiente para classificar aquele estado quase vegetativo como sub-humano. No primeiro dia, ele foi direcionado para a ala de apoio psiquiátrico. Humilde, pediu licença e entrou na sala. Viu que a doutora estava em pé, de costas, fazendo algumas anotações. Cézar sentiu atração por ela, dona de um corpo que vestia G ou GG, bem diferente das meninas esquálidas que ele pegava nas noites regadas a drogas.
- Cézar Machado, sente-se por favor.
A voz não era estranha. Calado estava, calado ficou e simplesmente atendeu ao pedido da doutora. Parecia um cachorro amedrontado, faminto, trêmulo. Ela continuava de costas quando soltou os seguintes comentários:
- “Tu vai rir quando me ver na TV, durante o jornal das oito”, lembra? Não, eu não ri. “Acho que a medicina deu um estrago no teu corpo”, lembra? Hoje, vejo que você suas escolhas deram vários estragos no seu corpo.  E contrariando sua frase…
Nesse instante ela ficou de frente para Cézar, sem fitá-lo cara-a-cara, deixou um cartão na mesa (onde estava escrito DOUTORA CRISTINA MUNHOZ. PSIQUIATRA) e seguiu em direção à porta, antes de concluir a frase.
-…sim, você vai precisar de mim.
Cézar ficou petrificado por alguns minutos. Aquelas palavras entravam na sua cabeça como pedras enormes jogadas sem piedade. Merecidamente.
E você, vai continuar achando que o mundo acabou só porque (graças a Deus) ouviu um “não quero passar vergonha com você do meu lado” daquele que aparenta(va) ser a bolacha premiada do pacote de biscoitos finos?
(*) Para quem tem menos de 20 anos, a ECO 92 aconteceu no Rio de Janeiro e serviu para buscar meios de conciliar o desenvolvimento sócio-econômico com a conservação e proteção dos ecossistemas da Terra (em outras palavras, iniciou-se ali o conceito do- hoje – propagado desenvolvimento sustentável).

domingo, 30 de outubro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 13:23
Foram algumas tantas páginas essa semana (o livro chegou na terça) durante o percurso até a faculdade, com o sol batendo no rosto e tudo,  mas realmente posso dizer que o ápice da leitura foi nessa virada de madrugada de sabado em que, ao não saber mais o que era noite e o que era o dia, enganada pela luz artificial da sala, eu terminei "Um dia", de David Nicholls. É, eu realmente sou ré confessa ao afirmar que chorei e sim, plenamente eu gostaria de começar uma resenha com "Dex e Em, Em e Dex" que tanto marcou nesse romance. Mas sei que sou péssima com resenhas - e atualmente com qualquer escrito mais que um paragrafo (Hei, o fato de Em escrever lhe parece um argumento?), no entanto, também não queria meramente copiar uma das bens escritas que li durante esse domingo.
O que posso dizer? Mal conseguia parar de ler, o modo que era escrito envolvia plenamente e mesmo sendo apenas um dia de cada ano, parece que vivenciei os vinte anos contados de forma latente, nada tediosa e quase com um aperto sufocante no peito. Quis brigar, bater e socar a cabeça de Dex varias vezes na parede para ver se ele acordava em alguns momentos e tantas outras o acalmar e dizer que ele ficaria bem, tremi de medo com meu próprio futuro instigada pela ficcional, mas realmente real, vida da Emma após a faculdade e suspirei incrédula com o final, meio que torcendo para que meus olhos não estivessem realmente lendo aquilo. Podia ser alucinação após uma madruga inteira lendo sem trégua não? Mas não era, triste, porém ainda genial.
Encantei-me completamente pelos dois, torci mais do que podia e levarei ambos comigo por um bom tempo. (de preferência ignorando completamente aquela gerente do café.  -.- Hunft!) Isso sim é fato!
E, a propósito, que diferença que pode fazer um dia, não?

quinta-feira, 20 de outubro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 07:01

Líder militar rebelde diz que ex-ditador líbio Gaddafi está morto, foi a noticia que li na Uol, e com a mesma rapidez da manchete, pensamentos como "Menos um no mundo" veio a mente. Então, como uma súplica de não pensar em apenas menos um ditador (a la episódio de House), fui ver quem de fato era Gaddafi, sim, de certo era um ditador, em meio a nossos pensamentos ocidentais podia ser classificado como um sacrilégio ao  poder da Democracia já que estava a mais de quarenta anos no seu dito cargo. No entanto, será que seus crimes foram mais hediondo do que a forma que foi morto? De que tantos são mortos pelos Ocidentais em sua Guerra contra o terror? Pois perdoe-me os americanos (que nesses 42 anos de poder estiveram basicamente o apoiando pelos interesses petroliferos na Libia), mas aquelas fotos não parecem nada "democráticas". Enfim, o que realmente estava a pensar era o quanto parecemos programados com as informações da mídia e ideais capitalistas que não nos permitimos uma única vez analisar os ideais deles, de  como toda vez assentimos com a  cabeça das atitudes de nossa "democracia" (tipicamente americanizada) e nos deixamos levar nesse nosso sentido de justiça tão distorcido. Estranho, não?

quarta-feira, 19 de outubro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 05:37
“ Vou te dizer algo que você já sabe: o mundo não é um arco íris. É um lugar ruim e duro. Não importa o quão forte seja, vai colocá-lo de joelhos e vai deixá-lo lá. Ninguém vai bater mais forte que a vida. Mas não importa como bate e sim o quanto aguenta apanhar e continuar tocando. O quanto pode suportar e seguir em frente. É assim que se ganha! Se você tem valor, busque o que é digno de você. É preciso estar disposto a apanhar e não levar dedo na cara, dizendo que não é o que deseja por causa de ninguém. Covardes fazem isso e você não é assim! É melhor que isso!”
Do filme Rocky Balboa (e lembrado pelo blog Mulherão)

sábado, 15 de outubro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 17:41
E eu que queria utilizar esse blog como um repertório, algo como um acompanhamento de tudo que me cerca, quase um diário sem "meu querido diário". Teria minhas fotos, meus textos, experiências e noticias que marcaram... Deve ter dado certo por uma semana. No entanto agora é quase mais um utencilio inutil. Poderia ser fatalmente hipocrita afirmando que isso vai mudar, mas convenhamos que tento mudar em tudo, mas nada parece de fato acontecer por mais de, bem, uma semana. Rá!
De verdade verdadeira sei que não escrevo nada a tempos, não só aqui, e se considerar  que o ultimo conto da médica está plenamente ligado ao fato de assitir House demais, ainda tera mais tempo ainda. As vezes temo que a Ana tenha morrido, melhor, partido, já que pseudonimos e personagens de certa forma não morrem. Que, não sei, deu lugar a dita adulta Kamila Silva, trabalhadora e estudante de Arquitetura (Aiquetortura muitas vezes!), a racional que beira ao insamo emocional; a que foi Ana tantas vezes que agora acha que, ou perdeu tudo a não ser mais ela, ou simplesmente não sabe ser quem é de fato.
Sem cores alaranjadas, sem conversas inteligentes e sem meus escritos... Sem minha graça.
Eu sei, nunca fui Clarice, nunca fui nem tão mediana escritora, mas, pateticamente, eu  era uma. Agora não desenho, acredite quando digo que não considero planta baixa um desenho, não escrevo e não amo. A nuvem artistica que diziam me rondar se esvaiu assim que o primeiro mestre academico me olhou. Assim sendo, me condeno na metade das vezes ao pensar que não me esforcei tanto quanto devia, nas outras me enxergo com os olhos de todos que me cercam e vejo apenas a garota, qual é, a moça de vinte anos neurótica e sem vida social. Não é uma bela visão. Sei que sou viciada no perfeccionismo, sei que pode ser que ele não exista, mas não sei, digo, desesperadamente não sei, como não tentar te-lo. Algo tinha que fazer sentido, juro que tinha, mas nada,
Talvez eu consiga passar o primeiro ano sem nenhum exame, talvez eu va um mes inteiro trabalhar sem ter uma crise e de repente, só de repente, eu consiga escrever, já será o bastante? Dúvido muito... Procuro algo que eu sei que não vou encontrar e, em tal dimensão, me faz enteder que já não acredito em milagres. Em uma comparação de humor negro diria que são como doenças graves e desgraças, parecem que nunca ira acontecer com a gente - até que acontece, minha mente quer completar a frase, talvez ainda me reste inconscientemente um pouco de esperança. Acreditar em Deus causa essas coisas... Agora lágrimas me vem aos olhos e sei que é por analisar isso, temo fracassar nisso também. Mais um elo na perfeição que eu não atinjo.
 Não acredito em boa parte da Igreja católica a qual fui criada, não vou a missa por ser apenas um templo e não devo confessar a, não sei, uns dois anos, digo, não com um padre pelo menos, pois acredite, Deus deve estar de saco cheio de me escutar a noite. Mas, céus, eu realmente acredito Nele e quando minha razão tenta mais uma vez me derrubar isso, quando ela tenta trair meus pensamentos, rogo a fortaleza que eu seja mais forte, preciso Dele mais do que confesso. Acredito que o mundo inteiro precisa, a propósito, é a ponderação, o algo maior, o único sentido. Assim o vejo, não sei se como um homem, não sei se em tantas outras formas que ele assume nas outras religiões, mas um Deus supremo que faça com que tudo tenha sentido, razão e porque.
Ual, começamos com uma analise da inutilizade desse blog e chegamos a Deus, incrivel como se pode pensar em nada e de repente virar uma analise de vida tão repentinamente. Mas, e dai, o que vai acontecer a partir de agora? Uma luz surgira e resolvera tudo? Qual é, sabemos que não... Ainda vou acordar amanhã tarde, passar um domingo como outro qualquer e continuarei a tentar escrever, desenhar e imaginar, então chegara segunda feira que me desligara de uma coisa ou outra e acionara o outro compartimento das intenções, vou ser boa funcionaria e me dedicarei novamente ao apice nas aulas, terei algumas conversas futeis, vou fingir que não me importo com muita coisa que me cerca e sorrirei intesamente com as pequenas coisas que realmente me parecerem boas. Essas pequenas coisas andam salvando minha sanidade, fato. Voltando a Deus, sei que ele sabe de todos os meus pedidos, e espero egoisticamente, que saiba de todos os meus agradecimentos também. Fica dificil escrever, mas espero que saibam que não sou tola o suficiente para me classificar de infeliz, tenho graças e como tenho, mas como humana, e no caso, ainda por cima, perfeccionista patológica, sempre analiso as falhas. Mais um defeito? Que diferença faz?
Resmungo por alguns segundos e proclamo a mim mesma que esse texto já esta grande demais, o pacote de bala parece no fim. - Viu? Eu sempre digo que sou uma viciada em potencial, imagina se no lugar dessas balas tivessem cigarros, bebida ou até drogas?  Fui Ana aos onze anos e desde então tinha meu lugar de escape na imaginação e por mais duro que seja não ser, ou achar por então não ser mais Ana, não quero ser burra o suficiente para fugir nesse outro meio. Haveria mais erros depois, e adivinhe só, odeio errar. Assim, como pateticamente irei terminar esse texto-barra-desabafo sem nenhuma outra frase espetacular, obrigo a utilizar um clichê bem demodê, porém bem utilizado no meu caso: Um dia de cada vez.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 08:40
"Eu não vou louvar valores,
Dos nossos amores as dores eu não vou contar,
O peito trajado de dores
A boca tragando rancores
E a dúvida não será onde chegar.
Brincando de ser e estar apenas,
Eu não sou Chico mas quero tentarMais cenas, dezenas, centenas, sentadas, safadas, saradas, sanadas, sapatas, perdidas, famintas, gigantes, pequenas"

(Eu não sou Chico mas quero tentar - Teatro Mágico)

terça-feira, 13 de setembro de 2011 - Postado por Kamila Silva às 07:28

Lying Is The Most Fun A Girl Can Have Without Taking Her Clothes Off  -

Panic!At the Disco

Is it still me that makes you sweat?
Am I who you think about in bed?
When the lights are dim and your hands are shaking as you're sliding off your dress?
Then think of what you did. And I hope to God he was worth it.
When the lights are dim and your heart is racing as you're fingers touch your skin.
I've got more wit, a better kiss, a hotter touch, a better fuck
than any boy you'll ever meet, sweetie you had me.
Girl I was it look past the sweat, a better love deserving of
exchanging body heat in the passenger seat?
No, no, no you know it will always just be, me

Let's get these teen hearts beating. faster, faster!
So testosterone boys and hot-looking girls
Will you dance to this beat, and hold a lover close?
So testosterone boys and hot-looking girls
Will you dance to this beat, and hold a lover close?

So I guess we're back to us, oh cameraman, swing the focus!
In case I lost my train of thought, where was it that we last left off?
(Let's pick up, pick up)

Oh now I do recall, we just were getting to the part...
Where the shock sets in, and the stomach acid finds a new way to make you get sick.
I sure hope you didn't expect that you'd get all of the attention.
Now let's not get selfish
(besides)Did you really think I'd let you kill this chorus?

Let's get these teen hearts beating. Faster, faster
So testosterone boys and hot-looking girls
Will you dance to this beat, and hold a lover close?
So testosterone boys and hot-looking girls
Will you dance to this beat, and hold a lover close?

Dance to this beat
Dance to this beat
Dance to this beat

Let's get these teen hearts beating faster, faster
Let's get these teen hearts beating faster

I've got more wit, a better kiss, a hotter touch, a better fuck
Than any boy you'll ever meet, sweetie you had me
Girl I was it look past the sweat, a better love deserving of
Exchanging body heat in the passenger seat?
No, no, no you know it will always just be, me

Let's get these teen hearts beating faster, faster
So testosterone boys and hot-looking girls
Will you dance to this beat, and hold a lover close?
So testosterone boys and hot-looking girls
Will you dance to this beat, and hold a lover close?

So testosterone boys and hot-looking girls. (Dance to this beat)
So testosterone boys and hot-looking girls. (Dance to this beat)
And hold a lover close
Let's get these teen hearts beating faster, faster
Let's get these teen hearts beating faster.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011 - Postado por Kamila Silva às 10:53
-Desabafo
E por que aparecer? E por que não? Teria mil e uma desculpas para entregar a mim de meu sumiço. Sim, pois foi para mim que as falhas foram feitas. Faltas gravíssimas que abrangem muito além de um espaço virtual abandonado,ou pior, preenchido por preencher. A propósito, o espaço que abandonei nos últimos dias, e para não dizer nas ultimas próximas e longínquas semanas ou mais, é bem físico; tem um metro e setenta e três e uns bons quilos de massa corpórea. Enfim, no final das contas um piloto automático extraordinário de rotinas e hipersensibilidade me atingiu, um grito sufocado de desespero do sem sentido que se escapa embaixo do chuveiro e em noites quietas, um plenitude do respirar para existir.
Bom, ainda são desculpas, eu sei, mas parece melhor do que explicar uma correria banal que acomete a todos que no sistema capitalista lutam para "vencer"... Acordar, Trabalhar, Estudar, Faculdade, Curso, Chefe, Colegas, Telefone, Campainha, E-mail e Transporte Coletivo! Tudo indicando horas e horas que nos desculpamos como construção de algo futuro. Futuro quando? Futuro para que?
Uma grande amiga me disse que isso é devido um choque "por ter sido muito rápido essa alteração, uma hora adolescente, outra adulta", mas mesmo que levasse anos, faria diferença?
Será que realmente com o tempo há a possibilidade de acostumar-se? Acomodar-se? Palavras terrível que me condena. Certamente me acomodei nas possibilidades ultimamente, num sentido de maré que sempre se assemelha ao caminho mais fácil, no entanto, é impressão minha ou simplesmente estar ali, imperceptível em sua própria vida é quase como uma ofensa? É uma ofensa!
Todavia, ainda há apenas 24 horas no dia, eu ainda tenho contas a pagar e um trabalho assim que o sol raia e uma madrugada com projetos de um curso universitário que mais parece se encaixar com essa forma errante, e nos outros tantos minutos cronometrados se perdem pouco a pouco os sonhos do que se quer imaginei a uma jovem idealista de um mundo melhor.
Não viajarei o mundo? Não terminarei meus livros? Não terei uma paixão em cada canto desse mundo? Não mudarei o mundo? Não sonharei?
A única impressão que tenho é que a menina de onze anos que fui, madura demais para idade, apenas ri cinicamente, ironicamente e tristemente do que os mesmos óculos de grau, baixo e indispensável, agora vêem.

domingo, 24 de julho de 2011 - Postado por Kamila Silva às 15:33
A verdadeira religião vem de um coração honesto. A Bíblia diz em Isaías 29:13 “Por isso o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca e com os seus lábios me honra, mas tem afastado para longe de mim o seu coração, e o seu temor para comigo consiste em mandamentos de homens, aprendidos de cor.”
A verdadeira religião está focada em Jesus e não em filosofias. A Bíblia diz em Colossenses 2:8 “Tendo cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo.”
A verdadeira religião produz frutos espirituais. A Bíblia diz em Mateus 21:43 “Portanto eu vos digo que vos será tirado o reino de Deus, e será dado a um povo que dê os seus frutos.”
A verdadeira religião é ajudar os outros e manter-se fiel ao Senhor. A Bíblia diz em Tiago 1:27 “A religião pura e imaculada diante de nosso Deus e Pai é esta: Visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se isento da corrupção do mundo.”


(E nisso eu acredito. Será?!)

Postado por Kamila Silva às 13:48
Quando considero a curta duração da minha vida, engolida na eternidade do antes e do depois, e o pequeno espaço que eu preencho, e posso ver, ultrapassado pela infinita imensidão de espaços que ignoro e que não me conhecem, fico assustado, e espantado por estar aqui em vez de lá; porque não há razão para aqui em vez de lá, ou agora em vez de então. Quem me pôs aqui? Por ordem de quem e em que direcção este lugar e tempo me foram atribuídos?
B. Pascal, 1623-1662, filósofo, físico e matemático francês, Pensamentos   

Postado por Kamila Silva às 14:31

Marry Me (Train)

Forever can never be long enough for me
Feel like I've had long enough with you
Forget the world now we won't let them see
But there's one thing left to do

Now that the weight has lifted
Love has surely shifted my way
Marry Me
Today and every day
Marry Me
If I ever get the nerve to say
Hello in this cafe
Say you will
Mm-hmm
Say you will
Mm-hmm

Together can never be close enough for me
Feel like I am close enough to you
You wear white and I'll wear out the words I love you
And you're beautiful
Now that the wait is over
And love and has finally shown her my way
Marry me
Today and every day
Marry me
If I ever get the nerve to say hello in this cafe
Say you will
Mm-hmm
Say you will
Mm-hmm

Promise me
You'll always be
Happy by my side
I promise to
Sing to you
When all the music dies

And marry me
Today and everyday
Marry me
If I ever get the nerve to say hello in this cafe
Say you will
Mm-hmm
Say you will
Marry me
Mm-hmm

sábado, 16 de julho de 2011 - Postado por Kamila Silva às 20:47
Obrigada JK, obrigada Harry.

Quando fiz onze anos não recebi uma carta de Hogwats, mas sim um livro que me deu, além de tudo, todo esse mundo também. Aprendi a magia das palavras, da imaginação e das estórias extraordinárias. Já faz nove anos desde o primeiro paragrafo que li, mas posso ver hoje, que isso nunca vai mudar.
Mal feito, feito.

segunda-feira, 11 de julho de 2011 - Postado por Kamila Silva às 16:52
Tu Es Ma Came (Carla Bruni)
Tu es ma came,
Mon toxique, ma volupté suprême,
Mon rendez-vous chéri et mon abîme
Tu fleuris au plus doux de mon âme
Tu es ma came
Tu es mon genre de délice, de programme
Je t'aspire, je t'expire et je me pâme
Je t'attends comme on attend la manne
Tu es ma came
J'aime tes yeux, tes cheveux, ton arôme
Viens donc là que j'te goûte que j'te hume
Tu es mon bel amour, mon anagramme
Tu es ma came
Plus mortel que l'héroîne afghane
Plus dangereux que la blanche colombienne
Tu es ma solution, mon doux problème
Tu es ma came
A toi tous mes soupirs, mes poèmes
Pour toi toutes mes prières sous la lune
A toi ma disgrâce et ma fortune
Tu es ma came
Quand tu pars c'est l'enfer et ses flammes
Toute ma vie, toute ma peau te réclament
On dirait que tu coules dans mes veines
Tu es ma came
Je me sens renaître sous ton charme
Je te veux jusqu'à en vendre l'âme
À tes pieds je dépose mes armes
Tu es ma came
Tu es ma came

Postado por Kamila Silva às 15:52
Antes do feriado de nove de julho:

Pivete extremamente intrigado: Você é menino ou menina?
Mãe do pivete constrangida: Meu Deus, é claro que é menina, num ta vendo o cabelo comprido.
Moça rindo: Pior que nem dá para falar isso, meu cabelo ta amarrado. (e pensando "fora que tem homens com cabelo mais bonito que o meu¬¬º")
Pivete convicto: Mas ela parece menina e tal, mas essa fantasia é de menino. Super man é para meninos!
Moça pisca: Eu roubei dele pela manhã.

- Merda, será que ele acreditou? ahhahahah

quinta-feira, 7 de julho de 2011 - Postado por Kamila Silva às 12:28

Daniel Radcliffe agradece publicamente a J.K. Rowling por "Harry Potter"




O ator inglês Daniel Radcliffe, o Harry Potter, agradeceu publicamente a autora dos livros da saga, J.K. Rowling, durante a première do filme, nesta quinta-feira (7), em Londres. "Sempre quis dizer isso, mas nunca tive a oportunidade: eu te devo muito por esse trabalho, muito obrigado", disse Radcliffe, emocionado.

Os dois foram os últimos a chegar para a estreia do longa em Trafalgar Square, Londres. A praça, que costuma receber grandes comemorações, estava lotada de jovens do mundo todo. "Algo tão grande assim não deve acontecer novamente, é só uma vez na vida. Esse é um momento para ser levado para sempre", disse o ator.

Radcliffe disse que guardou para si os óculos usados no primeiro e no último filme da saga e que ouvia músicas da banda Radiohead para se concentrar durante as filmagens. "Música sempre me ajudou a entrar em cena", contou. Apesar da tristeza de todos com o final da saga, o ator estava "incrivelmente feliz" com a estreia do filme. "Estou triste, mas é um dia para ficar feliz."

Sobre a escritora da saga, J.K. Rowling, Daniel Radcliffe disse que sempre foi muito fácil trabalhar com ela nas filmagens. "Ela não é aquele tipo de autor que diz 'você não está fazendo certo' toda hora", explicou. A autora, visivelmente emocionada, disse que nunca teve problemas com a adaptação de seus livros para o cinema: "Eu sempre confiei neles, pois sabia que eles fariam corretamente".

Ao ser perguntada sobre a continuação da saga, Rowling disse que há chances de ela ser retomada. "Sempre disse 'nunca diga nunca' mas, você sabe... Harry Potter é o meu bebê, então, claro, se um dia eu quiser escrever sobre isso de novo, eu vou", disse.

quinta-feira, 30 de junho de 2011 - Postado por Kamila Silva às 08:04
Filha de Che teme que reformas afetem consciência social em Cuba
Por Eleonora de Lucena

Ela se declara apenas uma militante da base do Partido Comunista Cubano, mas carrega o sobrenome de um mito da esquerda. Aos 50 anos, a pediatra Aleida Guevara se ocupa em cuidar da memória do pai e faz uma defesa inflamada do modelo da ilha.
Nesta entrevista, ela expressa seu temor pessoal de que as reformas em curso na ilha que permitiram a venda de imóveis e carros afetem a consciência social da população, pois podem inflar o individualismo. No Brasil para dar palestras, ela fala de política e da herança de Che Guevara.

Rafael Andrade-28.06.11/Folhapress
Aos 50 anos, a pediatra Aleida Guevara se ocupa em cuidar da memória do pai e faz uma defesa inflamada do modelo da ilha de Cuba
Aos 50 anos, a pediatra Aleida Guevara se ocupa em cuidar da memória do pai e faz uma defesa inflamada de Cuba

Folha - Como vê o Brasil hoje?
Aleida Guevara - Para quem vem de fora é muito fácil analisar a situação. Para quem vive a realidade cotidiana é mais difícil. Por isso não é bom perguntar a quem vem de fora sobre a realidade do teu país, porque não tem base sólida para falar. Como trabalho com o MST há tanto tempo, uma das coisas que sempre tenho visto é a necessidade de repartir a terra, fazer uma reforma agrária profunda. Para que este país possa solucionar de verdade seus problemas de sua gente mais simples, do campo. Isso eu posso dizer. Mas, como o Brasil vai, só os brasileiros sabem. Vim participar da conferência de agroecologia em Londrina.
E como vão as coisas em Cuba?
Estamos em um momento de buscar solução a problemas reais que temos tido durante muito tempo. Há problemas atuais que o país vive por causa da crise econômica, que atinge todos os países do mundo. Estamos discutindo os problemas com todo o povo, analisando-os nos locais de trabalho, nos bairros. O congresso do partido analisou tudo o que resultou dessas reuniões populares e se chegou a um consenso de que vamos fazer algumas mudanças na economia familiar. Resolver um problema de família, de pessoas que estão sem emprego neste momento porque o Estado não pode seguir sustentando pessoas que trabalham sem produzir. Quando perdemos o campo socialista europeu, Cuba sofreu uma crise brutal e o Estado amparou todo mundo durante todo esse tempo. Agora a situação da economia interna melhorou. Portanto há possibilidades reais para que essas pessoas possam trabalhar independentemente. Não queremos desamparar os que não estejam trabalhando para o Estado. Por isso é que vem essa possibilidade de trabalho individual. Porque nós, pela Constituição, teríamos que analisar quais são os itens da Constituição atual que se chocariam com essas mudanças. Por isso toda essa análise popular, profunda. Se é necessário mudar algum item da Constituição, que o povo saiba o que se está fazendo e porquê. E o plebiscito que se tenha que fazer será faz mais rápido e mais fácil.
O que teria que mudar na Constituição?
Foi acordado na Constituição que Cuba é uma sociedade socialista. Dentro dessa sociedade socialista há normas, regras. Quando se diz agora que há pessoas que vão trabalhar por conta própria, pode ser alugar sua casa, o que não existia. Essas pessoas que agora estão trabalhando por conta própria, se quiserem outras pessoas para trabalhar, que seja pago um salário justo, por lei. Por exemplo: se quiseres alugar um quarto da tua casa e empregaste alguém para fazer a limpeza. Antes esta pessoa não estava protegida por nenhuma lei. Agora, com as mudanças, essa pessoa estará protegida também pelas leis do Estado cubano. Essas leis precisam ser implementadas na Constituição.
O último congresso do partido abriu possibilidade da propriedade privada de imóveis e carros...
Digamos que não é propriedade privada. Eu, por exemplo, se paguei por um carro, ele é meu. O problema é que eu não tinha direito de vendê-lo. Agora tenho. O que mudou é que é permitido ao cidadão que é dono de um carro vendê-lo legalmente. É sua propriedade, é seu direito. Como em relação a casas. Se uma casa é legalmente tua, tu podes vendê-la.
Mas isso é reconhecer a propriedade privada.
Dentro do que já existia, na propriedade individual. Que podes chamar de privada, se quiseres. É tua. O problema é legalizar essa propriedade para que você possa usá-la para o que quiseres.
A sra. não acha que isso se conflita com o princípio socialista?
Não. Isso não tem nenhum tipo de problema com os princípios socialistas. A questão não está em vender a tua casa ou o teu carro ou trocá-lo. Isso me parece que é muito bom que possamos fazê-lo livremente, sem nenhum tipo de trava. A questão está em que agora há trabalhadores por conta própria. Esses trabalhadores vão buscar o seu benefício pessoal. O meu temor pessoal como cidadã a pé eu não tenho nada a ver com a direção do governo cubano; sou uma médica cubana meu temor é que as pessoas que comecem a trabalhar para si mesmas percam um pouco a questão social, a consciência social. Vivendo numa sociedade socialista, nós trabalhamos para um povo. Quando tu começas a trabalhar para o teu bolso, para o teu bem estar pessoal, temos o risco de perder essa conexão social que mantivemos por toda a vida. Essa é a minha preocupação pessoal. O Estado socialista e segue sendo socialista porque não há privatização nos grandes meios de produção. Isso não se tocou e não se vai tocar. O povo cubano segue sendo dono de tudo o que se produz no país. Podes ser dono do que tu fazes em tua casa, um restaurante, um salão de beleza, serviços. Mas os grandes meios de produção, tudo está com o Estado, que, portanto, é do povo. Nesse sentido não há nenhum tipo de mudança.
As reformas foram feitas para tirar do Estado o peso de pessoas que..
Exatamente. De pessoas que vão ficar sem trabalho pelo Estado, porque o Estado não pode seguir sustentando essa situação. Temos feito melhorias econômicas. Essas pessoas ficam livres de trabalhar para o Estado e ter o seu próprio trabalho. E o Estado sai dessa tensão de manter alguém que não estava produzindo.
O seu temor é que essa reforma, que pode ser lida como mais privatizante, afete a consciência social?
O homem pensa segundo vive. Essa é a preocupação, simplesmente. Se você está vivendo somente interessado em melhorar a tua casa, em melhorar a quantidade de dinheiro que tem no bolso, em melhorar a vestimenta, você se esquece que a escola infantil da esquina, onde seus filhos e netos estudam, precisa de uma mão de pintura. Você será capaz de deixar um pouco desse dinheiro para doar à escola? Se você é capaz de fazê-lo, eu calo a boca e sou feliz. Essa é a minha preocupação: que você perca essa perspectiva, que não se preocupe com a perspectiva de comunidade social, que é o que nós somos e pelo que seguimos vivendo.
Por que é difícil fazer uma renovação nas lideranças cubanas? Por que não há jovens lideranças?
Nosso ministro de educação superior tem 51 anos, não é tão velho.
Mas na liderança maior...
Vai se renovando. As pessoas que vão chegando, vão provando como são, como atuam, qual a capacidade. Isso está havendo com vários dirigentes. O chanceler de Cuba tem 50 anos. Para chanceler, é relativamente jovem. Vamos vendo como essa nova geração, a minha geração, vai ocupando uma série de lugares de direção no país. É uma questão que vai se fazendo pouco a pouco. A questão mais importante é do conhecimento de como elegemos a nossa gente. Nenhuma imprensa do mundo fala das eleições em Cuba.
Como a sra. responde aos que dizem que Cuba é uma ditadura, não há liberdade de imprensa?
É simplesmente uma falta de conhecimento total da realidade cubana. Nós temos eleições populares, muito mais democráticas do que qualquer outro país. Porque é o povo que elege diretamente os seus candidatos. Desde a base. Não há organizações políticas que digam: é esse, esse. É o povo quem diz. Uma reunião de vizinhos diz: fulano e fulano. E explicam porque propõem. Cinquenta por cento mais um da assembleia reunida têm que dar a aprovação. Se a pessoa é aprovada, ninguém pode derrubar essa aprovação. É uma decisão do povo. Então esse passa a ser candidato.
Mas o partido é único.
Mas o partido não tem nada que ver com as eleições. O partido é um partido dirigente, diretor da conduta social nessa sociedade, nada mais. Não tem nada que ver com as eleições. As eleições são de baixo, do povo. Nós elegemos o candidato ao município. As eleições ocorrem a cada dois anos e meio. A cada cinco anos essa assembleia municipal elege uma comissão eleitoral dentro de seus membros e começam a receber propostas das organizações de massa do país. Por exemplo: os camponeses têm uma organização de massas. Se nesse município há camponeses, eles têm direito a propor candidatos para a província e para a nação. Se há faculdades ou universidades, a organização de estudantes universitários tem direito a propor candidaturas a essa assembleia municipal. Assim, se há um hospital, o sindicato da saúde tem direito a fazê-lo; se há uma unidade militar, os militares têm direito há fazê-lo. Todas as organizações sociais que existem nesse território têm direito a propor candidatos à província e à nação.
A comissão eleitoral da assembleia municipal reúne toda essa informação e faz uma eleição. Faz uma cédula para a província e para a nação. Essa candidatura se discute no pleno da assembleia municipal. E a assembleia municipal tem que aprová-la em 100%. Se não a aprova, a comissão eleitoral tem que recomeçar o seu trabalho. Até que o município aceite essas candidaturas. Quando forem aceitas essas candidaturas, se apresenta a votação para o povo. Província e nação. O que aconteceu com a nação? Se tu deixas que o povo cubano diga realmente o que querem desde baixo para a nação, os históricos seriam sempre indicados. Todo mundo vai propor Fidel, Raúl, Ramiro Valdez. Gente é conhecida, em quem se tem confiança e que se sabe que vão seguir o caminho da revolução.
Mas não é possível porque é preciso dar espaço a novas gerações. Por isso é que os dirigentes históricos somente poderiam ser propostos pelo seu município. Por exemplo, Ramiro Valdez somente pode ser proposto pelo município de Artemísia. Santiago de Cuba é o único município que pode propor Raúl e Fidel. Desde o início tivemos que fazer assim porque as pessoas tinham a tendência de indicar sempre Fidel e Raul.
Nossa assembleia tem 38% de mulheres. Uma percentagem importante de jovens. Está bastante equilibrada entre trabalhadores do campo e da cidade. Depois vamos às urnas e elegemos. Quando a assembleia está eleita pelo povo, se reúne e elege, dentro do seu seio, o presidente, secretário, vice-presidente, o conselho de Estado, os ministros. A assembleia nacional de Cuba e o Conselho de Estado tem que ser eleitos diretamente pelo povo.
Então não há um problema de renovação?
O problema está em que o povo cubano conhece a sua gente. Se tu conheces a tua gente, querem que sigam dirigindo. Se fizeram bem até agora, por que queres mudar? Ao contrário. O que as pessoas realmente temem é que poderíamos eleger um jovem neste momento que não tenha as possibilidades intelectuais que tem hoje, por exemplo, Raúl. Estamos seguros com ele. Nos sentimos seguros com ele. Por isso se elege. Quando não o tivermos, estaremos obrigados a buscar outras possibilidades. Por isso é bom ter ministros mais jovens para ver como se comportam. O povo pode dizer se esse agrada ou não. E pode pensar desde agora: esse ministro está trabalhando muito bem, é uma pessoa direita, é austero --isso observamos muito. Se são ministros que têm contato com o povo. Que as pessoas confiem em relação à sua atitude em relação à vida.
Como justificar a questão da oposição, dos presos políticos, as damas de branco?
Meu Deus! O conceito de preso político é presos por suas ideias. Em Cuba não existem esses presos. Em Cuba existem presos por ações contra o povo. Ações de delito. Colocar, por exemplo, veneno na água de uma escola infantil é terrorismo. Esse está preso. Incendiar a telefonia de Cuba. Isso o que é? É uma ação terrorista.
Então não existem presos políticos; existem terroristas presos?
Existem terroristas. Existem os que fazem isso do ponto de vista econômico também. Porque vivemos com o bloqueio dos EUA. Nos últimos anos, eles têm aplicado a lei do bloqueio de outras formas mais sofisticadas.
Como?
A lei Helms-Burton fala que, se você tem uma empresa e quer ir a Cuba negociar, alugar uma casa, um edifício para implantar a empresa, você pode ser penalizado se esse edifício onde você colocou a sua empresa pertenceu a alguém que vive hoje nos EUA. Pela lei Helms-Burton os EUA podem penalizar essa empresa por U$ 5 milhões, 10 milhões por ocupar um lugar que pertenceu a um norte-americano. Imagina! Em Cuba as melhores residências pertenceram a essa gente dos EUA. Os 20 mil melhores hectares pertenciam aos EUA.
Com quem vamos negociar? Há empresas que se atreveram a fazer essas coisas. Há mercenários pagos diretamente pelos EUA e países europeus que se dedicam a dar esse tipo de informação ao FBI. Isso prejudica muito o nosso país. Muita s empresas, panamenhas, por exemplo, tiveram que sair porque foram penalizadas por isso. O povo cubano se prejudicou. Essas pessoas quando foram detectadas e foram presas. Por fazer dano ao nosso povo. A maioria já esta praticamente livre. Por causa de um trabalho que alguns ministros espanhóis fizeram para libertar essas pessoas.
O embargo não mudou nada com Obama?
O bloqueio. A palavra embargo em espanhol significa que os EUA embargam nosso direito comercial com eles. Esse é um direito deles. Não protestamos contra isso. Protestamos quando os EUA tem o propósito de que nenhum outro pais do mundo comercialize livremente com Cuba. Isso é o bloqueio, fechar um país. Isso é o que estão fazendo conosco toda a vida. Com Obama, acreditávamos que, por ser o primeiro presidente negro na história desse país que é tão racista, esse homem teria outras perspectivas. Nos equivocamos. Obama responde aos interesses da grande indústria dos EUA. Não fez nenhuma mudança importante.
Ele entrou na presidência prometendo que a base militar de Guantánamo seria fechada. Isso não ocorreu até agora. Seguem tendo presos ilegais em nosso território nacional. Essa base é roubada de Cuba. Ela foi negociada em 1902. E, depois, em 1904. A partir de 1904, este contrato entre o governo de Cuba na época e os EUA nunca mais foi tocado. Por leis internacionais, um contrato que tenha mais de cem anos e que não seja tocado, morre por morte natural. São as leis internacionais desse mundo. Apesar disso, os EUA não aceitam. Faz mais de cem anos que esse contrato já faleceu. E mantém ilegalmente esse nosso território ocupado.
E Cuba nada pode fazer?
Cuba protestou em todos os meios, nas Nações Unidas, em todo o tipo de organização do mundo. Não há resposta. Quando os EUA começaram a usar a base como um cárcere ilegal, Cuba protestou em todos os níveis, em todas as organizações internacionais. Não houve resposta. Que podemos fazer? Tirá-los de lá, com muito prazer o faríamos. Mas seria a desculpa que teriam para nos atacar.
Volto a perguntar sobre as damas de branco. Há quem diga que a primavera árabe pode chegar à Cuba. A sra. teme isso?
As damas de branco são para mim uma vergonha como mulher. O que elas pedem? Que se deixem livres assassinos, terroristas, pessoas que atacaram a economia de seu próprio povo, mercenários que se venderam aos interesses dos EUA e da Europa? E que uma mulher não enxergue que seus próprios filhos estão numa sociedade livre, uma sociedade que cuida das crianças, do momento em que nascem até os últimos anos de sua vida. Uma sociedade em que a educação é totalmente gratuita. Não importa se és dama de branco, de preto ou de verde. Como não são capazes de valorizar essas coisas? Que posso esperar de uma pessoa assim? Se uma pessoa tem princípios e luta pelos teus ideais, eu a respeito, mesmo que não sejam os meus [ideais]. Mas quando essa pessoa recebe dinheiro para fazer essas ações? Quando recebe dinheiro e vive desse dinheiro para fazer esse tipo de coisa contra o teu próprio povo? Não vou respeitar essa pessoa. Não posso respeitar um mercenário.
É o caso das damas de branco?
É o caso de todas essas senhoras. O que estão defendendo? A quem estão defendendo? Pessoas que colocaram veneno em água de crianças, que tentam incendiar uma central telefônica e que contratam pequenos delinquentes no país para tentar desestabilizá-lo? Por muito humana que eu seja, por muito que eu queira, não posso aceitar. Porque não estão defendendo ninguém, nada que seja justo. Se elas fizessem de coração, se não recebessem dinheiro para fazer tudo isso, eu poderia tê-las em conta. Porque são mulheres, podem amar a seus maridos. Pode ser um filho da puta. Se está apaixonada por ele, tem que se respeitar. Mas que nasça de ti, não que recebas dinheiro para fazer todo o show que fazem. Não posso apoiá-las. É isso que acontece com as damas de branco. O povo as rechaça. As rechaça ao ponto de que a policia nacional teve que protegê-las. É uma reação do povo, que sabe o que estão fazendo essas senhoras. Nós temos um nível cultural importante na população.
Mundo árabe é muito diferente de nós. São culturas, situações diferentes. A revolução cubana é uma revolução de base, do povo. O exército cubano é um exército do povo. Sou uma médica e estou defendendo tranquilamente o que é meu, de meus filhos e netos. Isso me dá direito de fazê-lo. No mundo árabe não houve revoluções desde as bases. Não há revoluções populares realmente. Houve movimentos importantes, por exemplo, no Egito, mas se perderam faz muitos anos. A revolução de Nasser se perdeu. A situação em que vivem esses povos é às vezes extrema. Eu respeito o mundo árabe, gostaria de conhecer muito mais. Mas é muito diferente do meu. E os problemas internos sérios somente seus povos podem resolver. Quem sou eu para dizer aos libaneses, por exemplo, como devem se comportar? Os únicos que podem determinar como podem ser dirigidos são os libaneses.
Mas há uma ebulição no mundo árabe agora, não?
Desgraçadamente vejo muita manipulação, de grupos dentro do mundo árabe que estavam incomodados por falta de poder. Utilizaram a necessidade de um povo de buscar soluções para o que sofrendo para chegar ao poder também. Tomara que os povos logrem os seus objetivos. Até agora o que estamos vendo é uma manipulação de situações internas para provocar alguns distúrbios. Tiraram um tirano no Egito. Buscam um mais suave, que convenha melhor aos interesses externos que existem no Egito. Se o poder é tomado e se atrevem a nacionalizar todas as riquezas do Egito e fazer isso em benefício do seu povo, aleluia, perfeito. Até agora não vemos isso. Temos que esperar para ver o que vai acontecer. Nenhum país tem o direito de interferir nos problemas internos do outro.
Como acontece na Líbia.
Nenhum. Muito menos a Otan, estimulada principalmente pela Espanha, pois o petróleo líbio é o petróleo que Espanha utiliza. Esse é o objetivo dessa guerra. Há que ter respeito aos povos. Eu pergunto, quando na história da humanidade um país do chamado primeiro mundo pediu ajuda a um exército do terceiro mundo para resolver seus problemas internos? Nunca. Quem dá o direito a um país do primeiro mundo intervir em um país? Quem deu esse direito? O Plano Colômbia, por exemplo. Colômbia é produtora de coca, mas coca ancestral. Esse povo não consome a coca como os Estados unidos consumem a cocaína. É diferente. Se os Estados Unidos e a Europa não consumissem essa cocaína, não teríamos o problema com a coca na Colômbia. Por que se mantém o negócio? Porque há muitos interesses nos EUA e Europa que provocam esse tipo de situação. Porque não resolvem o seu problema. Por que vêm meter sete bases militares na Colômbia?
A vitória da esquerda no Peru muda algo na América Latina?
Estamos vivendo a Alba, a alternativa bolivariana, com Venezuela, Cuba, Equador, Bolívia, Nicarágua e duas ilhas pequenas do caribe. Temos intercâmbios culturais e econômicos, respeitando idiossincrasias e soberanias. Mas sendo cada vez mais companheiros na luta pelo bem estar do povo. Esperamos que Peru se una. Mercosul é outra instituição. Seria fantástico se Brasil e Argentina se unissem à Alba, pois isso significaria que não há retrocesso para a AL. Se os gigantes latino-americanos se unissem num processo emancipador da América, não haverá o que nos detenha.
Como está Fidel?
Bastante bem. Quando saí de Cuba (em 23/06), estava bem, tinha ido visitar Chávez.
E como está Chávez?
Não o vi pessoalmente, mas o que sei é que está bastante bem, muito recuperado. Gosto muito dele. É um grande amigo.
E o câncer?
Que eu saiba, não há câncer. O problema é que se tem ou não tem, não é importante. O importante é que tenha a capacidade para seguir dirigindo e resolvendo os problemas de seu povo. Qualquer ser humano pode ter qualquer tipo de enfermidade. Por ser um presidente não está isento de ter enfermidades. Se ele agüenta, resiste e se sente em condições para seguir adiante...
Não seria melhor anunciar publicamente o que ele tem?
Mas se não tem, porque vai anunciar?
Mas ele está há muito tempo em Cuba.
E é uma operação de joelho, necessita de tempo para recuperar-se. Tem o peso do corpo...
Mas não foi um abscesso?
Há muitas versões.
Por isso que pergunto se não seria melhor divulgar o oficial.
O problema das coisas oficiais...O porta-voz do governo bolivariano deu uma explicação pública, mas todo mundo repete o que diz Miami. De que adianta dar explicações a toda hora se um porta-voz oficial diz algo, mas as pessoas dizem outra. Que objetivo tem que eu diga algo se não vais me acreditar?
Cuba é hoje dependente da Venezuela como foi no passado em relação à URSS?
Não. São coisas diferentes. Venezuela é um país latino-americano como nós, a mesma cultura, maneira de ser. Estamos numa mesma organização latino-americana. Também tivemos muito respeito com a URSS.
Mas a dependência econômica? Cuba é dependente hoje da Venezuela?
Não. Temos intercâmbios importantes, sobretudo no petróleo. Estamos buscando energias alternativas, como a solar. Não há uma dependência. Poderíamos estar hoje perfeitamente bem sem a Venezuela. Claro, há algumas coisas que seriam prejudicadas. É melhor ter um amigo por perto do que um inimigo. Bolívia, apesar de mais longe, também.
E o Brasil?
Com o Brasil temos muito boas elações diplomáticas. Há muitas empresas brasileiras em Cuba. Empresas brasileiras que comercializam com Cuba muito bem.
Quais?
Melhor não mencioná-las.
Como é a sua vida? Como é conviver com a herança de Che?
Tenho 50 anos, duas filhas. A maior tem 22 anos, acabou de se graduar em economia em Havana. A segunda tem 21 anos e está terminando seu terceiro ano de medicina. É o tesouro maior que tenho como ser humano. Trabalho muito com crianças, sou pediatra. Trabalho também numa escola para crianças com necessidades especiais em Havana. Que também me fazem muito feliz, me fazem melhor ser humano todos os dias. Pois são crianças muito especiais, com uma grande capacidade para amar. Trabalho também em casas de amparo. Dou consultas como médica, trabalho no centro de estudo Che Guevara, levando a imagem de Che. Meu salário é como medica, especialista de primeiro grau.
Você mora em Havana?
Sim. Minha filha menor vive comigo; a maior vive com sua avó paterna, pois seu pai faleceu há alguns anos. Tenho também meus irmãos.
O que eles fazem?
Camilo, 49, trabalha no centro de estudos Che Guevara. Célia é veterinária especialista em mamíferos marinhos e trabalha no aquário nacional de Cuba. Ernesto é advogado, mas gosta de trabalhar com motos. É mais mecânico do que advogado. Trabalha por sua conta. E mamãe, que é o centro. É diretora do centro de estudo Che Guevara.
Há machismo em Cuba?
Sim, há algo. Superamos muito com a revolução. Fizemos um giro de 180 graus. Não é possível arrancar tudo de uma vez. É lento. É possível fazer mudanças econômicas e sociais num estalar de dedos, mas mudanças mentais levam tempo. A geração das minhas filhas é muito mais forte, Sabem quem são e para onde vão. Também os homens têm hoje um conceito muito mais aberto. Temos avançado muito. A dupla jornada de trabalho da mulher vai diminuindo.
Como lidar com o mito Che?
Mito, não. Quando falas, por exemplo, de Cristo, é muito distante do ser humano, não sabes se existiu ou não. Che não pode converter-se num mito. Ele era um homem como qualquer um de nós. Isso é o que o faz bonito, completo. Que sendo humano, com todos os problemas e deficiências humanas, soube ser um ser humano melhor. É o que queremos que nossos filhos entendam, aprendam. E que consigam seguir esse exemplo de vida, de ação, de honestidade, de integridade como ser humano.
A imagem dele está por toda parte, mercantilizada em camisetas. Quem as usa sabe quem ele foi?
Algumas pessoas que usam essas camisetas sabem quem ele é e têm consciência. Outras não. Não sei por que usam. Talvez porque papai era muito bonito e as pessoas gostam da imagem. Não posso dizer. Já vi pessoas que não sabem quem ele é e usam sua camiseta. Na Itália, por exemplo, homens da juventude fascista pediram a meu irmão e a mim que assinássemos uma camiseta. E quando nos disseram que eram da juventude fascista, dissemos que eles estavam loucos, que precisavam estudar o Che para ver quem ele era.
Também aconteceu na Itália que dois homens começaram a me olhar muito. Estranhei. Quando perguntei por que me olhavam, me disseram: se tu és real, quer dizer que Che era um homem como nós. Me tocaram. Viram que eu era de carne e osso. Pela primeira vez me senti útil só por ser filha de Che. Sim, tão real como eles, e por isso tão difícil de alcançar. Superar outro ser humano que soube ser melhor que nós. Isso é difícil.
A sra. quase não conviveu como ele.
Muito pouco. Tinha quatro anos e meio quando ele partiu para o Congo. Depois ele regressou a Cuba de forma clandestina. Porque não queria de despedir novamente do povo cubano; já tinha feito isso oficialmente. E, quando voltamos a vê-lo, ele estava transformado numa outra pessoa. Portanto durante muitos anos eu não soube que aquele homem era meu pai. A mim me resta minha mãe, que o amou profundamente e passou esse amor a seus filhos e os seus amigos mais próximos, que sempre nos contavam coisas, mantendo essa imagem que eu admirava. Essa imagem foi crescendo muito. Quando completei 16 anos me perguntei porque eu gostava de meu pai, se não o tinha tido perto de mim quase nunca. Busquei alguns flashes de memória e me dei conta que esse homem que havia amado de verdade. O que tu podes fazer é devolver esse amor, apesar de não estar presente. É o que fazemos.
E você tem alguma lembrança forte dele?
Sim, por exemplo. Acho que foi nos últimos momentos antes da viagem para o Congo. Meu irmão Ernesto havia nascido há apenas um mês. Tenho uma imagem de minha mãe, com meu irmão apoiado sobre seu ombro. Eu estou embaixo olhando a cena. Meu pai está vestido como militar e tocado com uma mão muito grande a cabecinha do bebê. Essa imagem sempre me ficou na retina. Não falei com ninguém, era minha, muito linda. E eu sou mãe também e me ponho a pensar nesse momento, quem sabe de despedida, em quanta preocupação ele poderia estar tendo com esse bebê, se esse bebê, quando crescer, vai entender porque ele não estava. [Chora, tentando conter as lágrimas] Toda uma série de coisas. E esse momento me faz pensar em meu pai com muito amor, com muita força. Porque ele foi um homem capaz de amar com tanta ternura e, ao mesmo tempo, capaz de seguir o seu caminho, de saber que é mais útil noutro lugar. É o melhor exemplo de um verdadeiro homem, de um verdadeiro comunista: de oferecer o melhor da sua vida apesar de si mesmo.
Depois tive outro encontro, quando ele regressou do Congo, já transformado em outro homem. Não sabia que era papai. Essa noite eu caí, bati forte a cabeça. Ele me tomou em seus braços, me protegeu. No fim, eu disse alto: mamãe, acho que esse homem está apaixonada por mim. E deve ter sido algo muito duro para ele, porque não pode me explicar porque me queria de uma maneira muito especial. Mas para mim foi ótimo. Porque quando depois soube que aquele homem era meu pai, apesar de naquele momento não saber quem era, apesar do seu disfarce, eu senti que esse homem me amava de uma maneira muito especial e isso é bonito para qualquer filho.
Essa cena do disfarce está no filme de Steven Sodenbergh. O que achou dos filmes que foram feitos?
O filme com Benício não gostei. Gostei mais do filme de Walter Salles. Não que não goste do ator. Benício fez o maior esforço. Mas a coisa histórica. Na primeira parte, por exemplo, ocultou a parte de papai como formador de homens. Isso não se vê no filme, e talvez seja a parte mais importante de meu pai. Depois, a parte da Bolívia. Fazem toda uma película de guerra. Mas não está o sacrifício dos homens que, como meu pai, largaram tudo para ser útil para outro povo. Isso não se sente no filme. O filme de Walter Salles é muito melhor, muito mais respeitoso, mais real, feito com uma entrega total, eu me identifiquei muito.
Como foi desfilar no Carnaval de Florianópolis?
Levei uma bronca de minha mãe. O Carnaval de Cuba é diferente, é brincadeira. Aqui é uma expressão cultural, tem outra conotação. Depois aprece comigo, num carro alegórico tipo tanque, um homem vestido como meu pai. Isso para minha mãe é um insulto, porque ela respeita muito a sua imagem. Mas eu senti o respeito e a admiração desse jovem por meu pai. Mas minha mãe não gostou.
Como a sra. avalia a manutenção da memória sobre o seu pai?
Muitas coisas faltam. Um das mais importantes é que não há publicações suficientes para os jovens, sobre sua imagem, sua vida. Há muitos livros publicados por terceiros. Mas obras feitas por Che não há para toda a juventude. Esse é um dos objetivos do centro de estudos Che Guevara: fazer esse tipo de publicação.
Trabalhamos com uma editora australiana para levar toda a obra de meu pai aos jovens. Temos doze livros publicados. Há um dedicado aos jovens que se chama Che a partir da memória. É uma compilação de escritos dele desde que ele tinha 16 anos. Tem outro sobre América Latina. Outro sobre economia política, no qual ele faz uma crítica aos manuais de economia da URSS daquela época. Há apontamentos sobre o Congo. Tem discursos, como ele fez em Punta Del Este contra a Aliança para o Progresso. Há o discurso de Argel. Tem o texto sobre o homem e o socialismo em Cuba, que é, para mim, como uma bíblia.
Como está a juventude em Cuba?
Bastante sã. Não temos muito problemas com drogas e Aids. Estuda muito. Há um milhão de estudantes universitários para uma população de 11,5 milhões. Mas é preciso trabalhar todo o tempo. A pressão ideológica contra Cuba é muito forte. Os Estados Unidos criaram a TV José Marti. Há cinco estações de rádio que fazem emissões dos EUA em castelhano. Alguns escutam. Foi o que aconteceu há alguns anos, quando pessoas saíram no Malecón com malas esperando que os viessem buscar. Foi por causa das rádios, que diziam que lanchas iriam buscá-las.
Como a sra. explica isso? As pessoas querem fugir de Cuba?
Isso era no período especial, quando a situação em Cuba era de se arrancar os cabelos, era desesperadora. Então pessoas que não têm os princípios necessários para aguentar a situação pensaram que poderiam viver melhor em outro lugar. Mas se deram conta de que foram manipulados e enganados. Não havia ninguém. E saíram quebrando. E o povo cubano saiu a controlá-los. Não houve um policial cubano. Foi uma coisa espetacular. Chamaram Fidel e Fidel foi. E o povo gritou: viva Fidel. E ele neutralizou a situação. Um ano depois, os jovens fizeram nesse mesmo dia uma marcha espetacular debaixo de uma chuva tropical.
Mas hoje isso poderia acontecer?
Perfeitamente. A última marcha de primeiro de maio foi espetacular, 5.000 jovens fecharam a marcha. E não se vai à marcha de forma obrigada, se faz de coração.
É muito pesado ser filha do Che?
Não. Minha mãe sempre nos ensinou que iríamos receber coisas que não havíamos ganhado. Que teríamos que receber: o nome de meu pai. Mas que deveríamos colocar os pés firmes sobre a terra e deixar passar o que não ganhamos como ser humano. É o que fazemos. Recebemos o nome de papai, mas deixamos passar tudo o que não é para nós. Por isso vivemos muito tranquilos.
A mentalidade de hoje é mais à direita do que era nos anos 60?
Não. Depende de como a esquerda se comporta num momento como este. Se viveres de costas para o teu povo, perdeste tudo. Mas, se tu estás ao lado dos necessitados e segue trabalhando ao lado de teu povo nos momentos mais difíceis, esse povo se dá conta que tu existe, e que tem algo diferente a oferecer. O mundo não tende a pensar como uma direita conservadora. Veja o movimento nas ruas da Espanha, os indignados.
Mas na Espanha a direita ganhou as eleições.
Mas esse movimento nas ruas não se via há muito tempo. E é contra o capital. Sabem bem o que estão exigindo: os bancos não podem seguir ganhando a custa do povo. Isso não é direita. É esquerda, é um despertar da consciência social.
Mas a direita ganhou.
Depende como são as eleições, partidos que levam listas. É um rolo. A suposta democracia nesse sentido se emaranha muito para as eleições. Se não tens capital, não entras nas eleições.
Há democracia em Cuba?
A democracia é o poder do povo. É o que diz a palavra demos: poder do povo. E um Estado de direitos para todos os cidadãos. Isso em Cuba existe sem nenhum tipo de dúvida. O que o povo diz é o que se faz. O povo sempre tem a última palavra.
Como está o caso dos cubanos presos nos EUA?
A mídia nunca fala. Falam dos presos em Cuba, das senhoras de branco, mas nunca falam dos cinco heróis cubanos presos nos EUA. Cuba é um país agredido pelo governo dos EUA, que mantém organizações terroristas de origem cubana no sul da florida. Chegam à costa cubana e metralham. Ferem crianças e idosos. Não dizem nada contra isso. Envenenaram a água de uma escola infantil. A mulher que quis incendiar a telefonia estava sendo paga por eles. Colocaram fogo em um edifício onde havia uma escola infantil. A dengue hemorrágica foi introduzida em Cuba através dessa gente de Miami. As últimas bombas em Havana, quem foi? Um turista salvadorenho pago diretamente por essa gente. Ele está preso em Cuba. Seu telefonema. Está tudo gravado. Nunca uma organização internacional protestou contra as ações terroristas contra Cuba. O governo dos EUA declarou que vai lutar contra o terrorismo em qualquer parte do mundo. Exceto em seu território nacional.
Esses cinco cubanos entraram nessas organizações porque é a única maneira que temos de evitar esses atos. Eles estavam dentro dessas organizações para dar informações dos atos terroristas contra o nosso povo. Foram detectados. Essas organizações terroristas do sul dos EUA enriqueceram com o tráfico de drogas, de armas e de seres humanos. O FBI nos procurou e demos informação de boa fé. E o que fez o FBI? Prendeu os nossos e deixou livres os terroristas. Estão presos há 13 anos. Dois deles nasceram nos EUA. Três eram cubanos com nomes falsos. Por isso podem ser penalizados. Mas a pena é de um a cinco anos de prisão, pelas leis dos EUA.
Há antecedentes. Outros foram condenados a oito anos. O FBI não demonstrou que eles tinham informação que comprometesse a segurança dos EUA. Nenhum pode ser condenado por espionagem, porque não há prova. Não era isso que estavam fazendo. Apesar disso, foram condenados a penas perpétuas. Um deles a duas vezes a pena perpétua! Com toda a mobilização internacional demonstramos que foram cometidas violações tremendas dentro das leis dos EUA. Comprovados agentes foram condenados a 10, 20 anos. E esses, que não tiveram nada comprovado, têm a pena perpétua! Como é possível? Conseguimos um segundo julgamento por causa da pressão internacional. Se os EUA usassem sua própria lei, esses homens seriam colocados em liberdade já. Porque não há lei que sustente essas prisões. E tem que a questão da imparcialidade. Como vais julgar cinco homens cubanos, que tenham se infiltrado nas organizações terroristas em Miami, em Miami? É impossível. Não funcionam as leis nos EUA. Por isso precisamos da solidariedade internacional nesse caso. Para pressioná-los a fazer justiça. Só queremos que os EUA façam justiça e façam valer suas próprias leis.
Com essas reformas, o Estado vai se reduzir em Cuba?
O Estado de Cuba é o povo, o poder do povo. Nos sentimos muito bem representados pelo nosso Estado.