segunda-feira, 7 de julho de 2014 - Postado por Kamila Silva às 21:32
Benditas primeiras palavras no papel em branco, resmungava o senhor de boina duvidosa, sentado no banco. Dona Tere, como o senhor chamava a enfermeira, estava surpresa. O homem de cenho normamente apagado sorria para um diário velho que ele sempre carregava, sem nunca abrir. "Não vale a pena, o que foi escrito, foi escrito." Mas hoje não, hoje ele sorria. Era doce, feliz mesmo.
_Hei, sr Manfred, como está essa manhã?
_Eu escrevi, eu escrevi.
A alegria era contagiante, porém melancólica. Os dedos tremendo da alta idade afirmavam que segurar a caneta era completamente impossível.
_Ela voltou pra mim e eu escrevi Dona, eu escrevi.
Sem querer estragar aquele momento, a enfermeira apenas sorria incentivando o homem.
_ E como é a história Sr. Manfred?
_Ah, eu não tenho tempo agora, eu escrevi, eu escrevi! Ela voltou pra mim!
E repetia isso constantemente até a hora que a médica veio ve-lo.

As 19h da tarde Sr. Manfred morria de causas naturais aos 83 anos. Sem familia interessada, os pertences do idoso foram destinados a doação. Por curiosidade ou comoção, Dona Tere, que na verdade era Cora, resolveu pegar o pequeno diário que o senhor não desgrudava.
Ali, na primeira folha uma bela dama sorria na foto preto e branco, e nas folhas a seguir relatos, cartas e memórias da história do velho senhor ao lado da moça. Porto Alegre, Serra e até Burnos Aires ilustrava as histórias sem provas do diário. Na última folha, ainda com algumas em branco pela frente, havia uma descrição de uma pequena cidade de Minas que parecia um tanto similar ao jardim do asilo. Ali, naquela praça pequinina, a senhorita que pela descrição seria da foto, apenas sorria e dizia que voltava. Que esperasse e lhe escrevesse, que ela voltava. Datava de 36 anos atrás.
No entanto, por alguma razão, tudo que Dona conseguia se lembrar era da forte voz do sr Manfred: "Eu escrevi, eu escrevi. Ela voltou!!"

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013 - Postado por Kamila Silva às 05:36
Nunca amamos ninguém. Amamos, tão-somente, a ideia que fazemos de alguém. É a um conceito nosso - em suma, é a nós mesmos - que amamos. Isso é verdade em toda a escala do amor. No amor sexual buscamos um prazer nosso dado por intermédio de um corpo estranho. No amor diferente do sexual, buscamos um prazer nosso dado por intermédio de uma ideia nossa.

Fernando Pessoa

terça-feira, 15 de outubro de 2013 - Postado por Kamila Silva às 07:45
Sempre achei que devia escrever, era, no final das contas, a única coisa que me fazia singular. No entanto, aos poucos, foi definhando o ato enquanto a massa crescia, encrustando em gramaticas e termos complicados,  em que emaranhava-se em gotículas de inveja e mentiras, sufocando em duros compassos de auto-critica e assim, no final, conteve-se em orações desconexas, termos técnicos e uma vazio cheio demais.
Já fazem meses, mas sei que o monstro violeta ameaça novamente, e ele vem acompanhado de tudo que fugi e fujo constantemente... 
Na verdade, dois pretextos abriram a porta: exigência do mundo moderno e exigências do coração - 'facilmente observada sem bem analisada e rimada em uma jogada 'chichê'' -, mas, olhe bem, surpreendentemente são as mesmas artimanhas que me trazem, esse ser escrevente, de volta.
 Agora, na mesa do bar - e como senti falta desse balcão sujo e do Seu Augusto lá atrás reclamando de eu gastar os guardanapos - penso que há momento crucialmente importantes que trazem a tona o que só de alma tem na arte e não está na monotonia ou calmaria, mas nas transições, nas rupturas, nas tragédias, nos inícios, nas surpresas, nas catástrofes e nas paixões... Ah, nas paixões! E também nos dramas, até aqueles vividos normalmente em uma pessoa só, mas discutidos com Deus. 
Oras, que seja, só me responda a indagação: escrever e deixar o purpura voltar, descompassada, ensandecida, desritmada; ou não, viver facilmente e em paz, sem grandes desilusões e amores, mas viver, ali em ar saudável e pleno? Novamente a cabeça e o coração, quase Montecchio e Capuleto, se contradizem. Sigo em meio a fases, encho o pulmão com esse ar pesado desse ano cabalistico e deixo que o tempo, um sinal, um ponto final ou uma virgula me esclareçam... Até lá, olá e adeus Romeu.

Democracia além do facebook

sexta-feira, 21 de junho de 2013 - Postado por Kamila Silva às 23:26
Sonhei com o povo na rua desde a minha primeira aula de história do Brasil no fundamental e juro que é lindo ver isso acontecer. Assim, espero, de coração, que esse "acordar democrático" em um país nada democrático continue e perpetue. Porém, é inevitável perceber, já com meus vinte e poucos anos (e menos cabelo roxo e coturno), a quantidade de manipulação de todos os lados - mesmo dos 'sem lado', repetições de slogans prontos, um exibição de "bonzinhos" x "malvados" entre o que deveria ser uma unidade e a movimentação de uma massa que empina o nariz e roga pelo fim da corrupção, mas no dia a dia comete pequena infrações bancando os espertos e exibindo assim uma hipocrisia descomunal... Não sei, talvez em inocência esperasse demais, talvez e espero que assim de fato aconteça, seja só um primeiro grande passo, um grito sufocado de quem ficou muito tempo de cabeça baixa e mudo, e de repente aprende a falar, balbuciando o que no futuro será um discurso integro. Espero que aprendemos a de fato fazer democracia, demonstrando o poder de povo, e que esse, seja mais consciente de seu papel, onde a "revolução" se desenvolva muito mais além do que uma foto para rede social, acontecendo nas mentes e corações dos brasileiros. Que não aceitem mais verdades prontas (afinal, o de que fato é a palavra "verdade"?, como diria meu professor de Filosofia) e consigam analisar o que é passado, dando o seu julgamento disso e não o que é "bonitinho" dizer. Sigo para rua, escuto a voz do povo berrar alto e ainda me estremeço de ver o poder embutido nesse grito guardado na garganta por tantas décadas, é lindo... E será ainda mais lindo quando na urna se comprovar uma politização concreta, quando em uma sala de aula crianças e adolescente não acharem história, filosofia e sociologia desnecessária como tantas vezes escutei em sala da rede pública e até na universidade, quando de fato essa máscara que cobre tantos rostos nas ruas - que muitos nem sabem seu significado - possa ser retirada e o povo mostre seu rosto, sua compreensão politica de cidadão, com seus direitos respeitados - imagina que novidade!-, deveres e a possibilidade de acreditar em um presente melhor, uma real chance de futuro.

Postado por Kamila Silva às 05:25
"Os jornais não vão dizer que foram horas de manifestação pacífica, desde a Paulista até o terminal parque Dom Pedro.

Os jornais não vão dizer que a passeata seguiu o caminho praticamente delimitado pela força policial até ser encurralado em frente ao terminal.

Os jornais não vão dizer que após encurralar uma massa de 20 mil pessoas na frente do terminal, a incompetente força policial do estado de São Paulo atirou bombas de gás lacrimogênio no meio da multidão, gerando correria e colocando a vida de muitas pessoas em sério risco.

Os jornais não vão mostrar que o povo voltou cantando, unido, com apoio popular das janelas dos prédios, aplausos e tudo mais até a praça da Sé.

Eles não vão dizer que ao tentar se reunir novamente na praça da Sé, o povo foi atacado covardemente pela tropa de choque em frente à Catedral sem motivo algum aparente.

Nos jornais não vai aparecer que a partir daí a tropa de Choque realizou uma caça indiscriminada a qualquer transeunte, indo muito além do simples dispersar e controlar.

Nos jornais só vai aparecer que essa caça resultou na prisão de um repórter e de um fotógrafo da grande mídia.

Eles não vão contabilizar os manifestantes feridos, espancados pela polícia, machucados por estilhaços de bomba.

Os jornais só vão mostrar os policiais feridos, como se eles tivessem sido simplesmente atacados.

Esses jornais só vão falar de vandalismo, como se isso resumisse o ato, esquecendo toda a marcha.

Os jornais não vão mostrar que o povo fugiu novamente, agora da Sé, rumo à av. Paulista, já furiosos para serem atacados em frente ao MASP de forma covarde e com armadilhas preparadas nas ruas em volta, de forma que o povo não tivesse para onde fugir sem ser atingido pelos ataques da polícia.

Os jornais não vão dizer que todo o vandalismo se concentrou em bancos e propriedades que representam o Estado.

Eles só vão mostrar uma visão simplista, classificando os atos como puro vandalismo sem propósito, escondendo a real motivação de tanta revolta.

Eles nunca vão falar que se trata de uma juventude cansada da opressão do Estado e da ditadura do sistema financeiro.

Os jornais não vão dizer que a juventude não tem perspectiva de um futuro além de se amassar em caixotes com rodas todas as manhãs indo para um trabalho que não gostam, pagar caro por isso, em troca de um salário que mal paga habitação e alimentação.

Eles nunca vão dizer que a especulação imobiliária afastou o povo trabalhador do grande centro, obrigando a necessidade de horas de deslocamento até os locais de trabalho.

A mídia corporativa já não quer informar, quer manter a ordem do sistema vigente, o tão dito 'status quo'.

Violenta é a mídia que é incapaz de ver o ser humano quando isto não vai ao encontro de seus interesses corporativos.

Violenta é a mídia.
Violento é esse sistema doente." - 

Ubirajara Santos

domingo, 5 de maio de 2013 - Postado por Kamila Silva às 21:08
Uma luz desligada do lado de dentro, apenas uma vela acesa e uma taça de vinho. Uma única taça de vinho. Rascunhos jogados longe e a música ecoando como convidada bem vinda. Dançam lá fora, é noite de festa. Tem que terminar o desenho, a poesia, a nota dó. Um corpo dorme cansado no sofá estampado, as rugas impertinentes da idade surgem nas mãos que seguram a caneta. Uma cronica é escrita pela madrugada em um quarto tão escuro quanto esse. Uma crônica rápida,  apenas uma fotografia, apenas mais talento. Ele passou, o dinheiro veio, a taça esta vazia. Ela nunca devia ficar assim.